Nara 11/04/2021
O imagem título como simbólica dos contos.
?? ?De volta ao amarronzado da terra com uma pá nas mãos, o desalojar da rocha revela algumas raízes.Corta-as, decepa,desune até suar a testa, até cansar os braços,até a terra se mostrar arenosa a certa profundidade.Sente-se mal ao perceber o despautério que havia feito.Quem era ela para julgá-las.Cada um cresce como pode, diz para si.? Conto: A bota do diabo.
A terra associada à raiz, a profundidade, ao crescimento, assim como nossos cabelos. Uma imagem simbólica que remete ao próprio título dessa coletânea de 15 contos protagonizados, por mulheres. Avós,mães,filhas, companheiras, amigas e professoras, nas palavras da dedicatória do próprio autor,TODAS, mulheres possíveis.
Foi uma delícia identificar nos contos,conjuntos de palavras que evocam e estruturam a construção simbólica,convergindo na linda imagem-título:Terra nos cabelos.
A Terra, é matéria do mistério,cujo penetrar pode fornecer diversas outras simbólicas.Como a vida,a fecundidade,o ciclo do plantar e colher e, pode ser eufemismo p/ mulher, mãe, lugar de origem. Remete ao profundo,escuro,úmido, caverna ou o ventre materno ? nossos corpos e órgão genital feminino.Os movimentos:adentrar. Penetrar.Descida e introspecção.Os cabelos, ditam o gesto do olhar que antecede à palavra. A onda da cabeleira vinculada a um tempo que é passado. A lua, a noite, a cumplicidade feminina por meio de intimidade.
A construção de símbolos que advém da terra e dos cabelos, vão ser elementos narrativos que criam ambiências,ditam o ritmo da leitura,o que sentem sobre elas mesmas, suas relações,corpos e sexualidades das protagonistas.
Os contos,perpassam questões de gênero(óbvio),classe e raça e, não oferece ao leitor lugares confortáveis.Na crônica O enigma da palavra, a autora Claudia Lage cita uma frase de Hilda Hilst:"Se nos desvendamos completamente à palavra,ela nos embota. E complementa."Há que se ter sempre essa fricção entre o que se disse e o que não se pôde dizer."
Existe um encontro c/o não dito presente nas vivências dessas mulheres. Entre elas e c/o leitor. Como no epílogo c/ trecho de Para onde vão os objetos perdidos - Ana Mello: "(...)nós todos andamos aí, de vida em vida,nos reencontrando."