anahelena.blasilemos 22/09/2023
OS SUPRIDORES – de José Falero
Bons dias para se viver são aqueles em que não nos lembramos que temos dentes, joelhos, costas, cabeça.
Pois quando lembramos, sabemos que terminaremos naquela cadeira odontológica dos horrores, ou no gastroenterologista, ortopedista, neurologista, essa infinidade de ‘istas’ existentes.
Mas por vezes o simples ato da leitura pode acarretar forte dor estomacal, seja aquela que vai entrando devagarinho e vira uma dorzona insistente e duradoura e a outra que vem de pronto, por fora, um soco no estômago. Ou ambas de uma só vez.
Os Supridores me trouxeram essas dores.
E ainda mais outra, talvez a pior de todas, a dor na alma.
Uma dor difusa, meio de total inconformismo pelas brutais desigualdades sociais, ou de claudicância ao de repente estar torcendo pelos fora da lei quando está introjetado que isso não pode ser, ou de raiva da dominadora elite branca, eu que sou uma branquela com sardas, mas que juro, nunca quis fazer parte disso.
Uma dor de descobrir que (na medida do meu possível) mesmo sempre tendo me colocado contra injustiças sociais, de ter exaltado minorias, de sempre ter tentado dar visibilidade, voz e carinho aos menos favorecidos, de olhar no olho e bater papo com o gari e com o morador de rua, menos medo e mais acolhimento, isso é nada, e mais, eu posso ser alvo do ódio do menino que arruma os carrinhos do supermercado apenas por eu ter uma roupinha melhor, umas gostosuras na sacola ou embarcar no meu carro antigo e pequeno (eu não preciso mais que isso), ódio legítimo apenas por eu ter crescido mais agasalhada e bem alimentada, com mais livros e por tudo isso com mais chances e mais autonomia de pensamento.
Uma dor de saber que tanta gente continua se auto enganando com a farsa da meritocracia, de sacar que herança não é privilégio para os ricos, os pobres herdam a pobreza de toda a sua ancestralidade, continuando 'ad aeternum' a engorda das probabilidades e das estatísticas.
Uma dor de tomar consciência que pão fresco e presunto podem ser artigos de alto luxo, que políticas sociais se restringem ao centro da cidade, que o único ente público que chega nas periferias é a polícia, não para dar segurança e sim para exercitar a opressão.
Nem tanto uma dor, e mais uma confirmação, de que a hipocrisia de fingir que 'gente de bem' está distante das drogas, entender que guerras de facções são rotina e que estamos todos muito longe de um mundo mais coeso e solidário.
Enfim, um soco no estômago.
Ah! E certamente daria um filmaço!!
PERSONAGENS: Pedro e Marques
UMA CITAÇÃO: “... avizinhava-se silenciosamente o dia infeliz em que teriam de escolher entre ser bandido ou ser escravo, se quisessem continuar vivendo.”