Toni 16/03/2023
Leituras de 2022
Tomie, 2 vol. [1996/2001]
Junji Ito (Japão, 1963-)
Pipoca & Nanquim, 2021, 376 pág. cada vol.
Trad. Drik Sada
As histórias que compõem “Tomie” consistem no primeiro trabalho de Junji Ito. Foram publicadas originalmente de forma seriada entre 1987 e 2000 e depois reunidas em 2 volumes. Mestre indubitável no universo dos mangás de horror, Ito sabe como ninguém criar enredos perturbadores e imagens de revirar o estômago. Não exagero quando afirmo que, se uma de suas personagens parecer absolutamente aterrorizada ao avistar algo que será revelado na página seguinte, pode esperar por cenas de grande impacto, mesmo quando o formato parece se repetir (explicações abaixo).
Nesta série, os contos são conectados por uma entidade sobrenatural e maléfica cuja origem desconhecemos e que parece incapaz de ser completamente erradicada da face da terra: a tal da Tomie. Jovem de beleza estonteante, Tomie provoca a admiração e o desejo incontrolável em todos os homens que a veem, uma paixão que logo se converte em desejo violento e homicida, de maneira que todos aqueles que se envolvem com ela acabam não resistindo ao impulso de matá-la e esquartejá-la.
Aos olhos das personagens masculinas, Tomie é a encarnação de um mal diabólico: uma criatura egoísta que despreza os homens e que insiste em ser adorada e presenteada com artigos caros e luxuosos. Mas à medida que nos encontramos com diferentes manifestações da mesma Tomie, um subtexto parece tomar forma nos subterrâneos da narrativa: no lugar de causa, ela parece ser muito mais o sintoma de uma cultura feminicida. E o fato de ser impossível destruí-la (e cada pedaço da vítima se multiplicar em assombrosas variações), talvez seja uma forma de Ito apontar que o mal que a perpetua esteja, na verdade, entre os homens e as estruturas machistas e dominadoras que os formam.
Levei alguns meses para ler porque o formato acaba se tornando cansativo, ainda que Ito não seja de se repetir no desfecho de cada conto. Para quem gosta de um terror aberto e sem soluções, recomendo, mas com a advertência de que, apesar de não ter percebido indícios de violência voyeurista, é uma obra com muitos gatilhos.