Pri | @biblio.faga 28/01/2022
"Terráqueos" é o segundo romance da autora japonesa Sayaka Murata a ser publicado pela @eeliberdade, e assim como em "Querida Konbini", a escritora questiona o conceito de normalidade e o processo de adaptação (ou não) de indivíduos tidos como diferentes/ marginais.
A protagonista e narradora do livro é a jovem Natsuki Sasamoto - personagem muito parecida com a Keiko de "Querida Konbini". À primeira vista, ela poderia se passar por uma pessoa comum, contudo, desde criança, ela possui um modo muito particular de ver a si mesma e o mundo:
Natsuki não se vê como uma terráquea, mas sim como uma alienígena, originária do planeta Powapipinpobopia; ela e seu amigo de pelúcia Piyut seriam os protetores desse mundo distante contra as forças do mal, e seu primo Yuu também seria um habitante perdido no planeta Terra.
Além disso, ela vê a sociedade como uma grande Fábrica de Gente, que para ela se assemelha ao "quarto dos bichos-da-seda" da casa de férias de seus avós em Akishina, no qual se produziam os "bebês de bicho-da-seda", tal como retrato na capa do livro.
"Minha cidade era uma enorme fileira de ninhos e uma fábrica de fazer humanos. Ali, eu era uma ferramenta em dois sentidos.
Primeiro, tinha de me esforçar nos estudos, para me tornar uma boa ferramenta de trabalho. Segundo, tinha de me esforçar como menina, para poder me tornar um bom órgão reprodutivo da cidade.
Eu desconfiava que fracassaria em ambos." (p. 52)
Assim, o que, inicialmente parecia se tratar de um mecanismo de fuga que uma menina desenvolveu para lidar com uma sociedade opressora e excludente, resulta em um severo caso de desajuste, um exemplo gráfico de inconformidade social que leva a comportamentos extremos e atitudes consideradas absurdas e ilógicas.
Nesse ponto, ressalvo que algumas das situações descritas podem ser de difícil digestão e extremamente desconfortáveis; na minha opinião, o desconforto da leitura me remete aquele causado pelos filmes de terror franceses.
Definitivamente, "Terráqueos" não é uma leitura fácil. Sayaka Murata desafia tabus, debate temas polêmicos e problemáticos como a obrigatoriedade do trabalho, do casamento, do sexo e da reprodução, bem como a noção de família e os papéis de gênero.
De forma ácida e provocante - em um grau muito mais alto que o livro anterior, devo destacar, a escritora estica ao extremo a linha imaginária que separa terráqueos de alienígenas, questionado o que entendemos como um sinal de humanidade, bem como expondo as hipocrisias e contradições da sociedade em que vivemos.
Recomendo.
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