Vitorcfab 14/12/2021
Imago
Nesse terceiro e última livro da trilogia, acompanhamos Jodahs, um dos filhos de Lilith e o primeiro Constructo (híbrido de humano e Oankali) a nascer do sexo Ooloi (terceiro sexo, que não é masculino ou feminino). Chegando próximo da fase adulta, a metamorfose de Jodahs começa, adquirindo uma nova identidade e habilidades de manipular sua aparência, matéria, DNA, criar e erradicar doenças, características que podem torna-lo um ser capaz de salvar a humanidade...ou destruí-la.
Acho fantástica a forma como cada um dos três livros dessa série parecem diferentes e únicos, não apenas por contar histórias diferentes e com protagonistas diferentes, mas a autora também aposta em estruturas únicas e abordagens diversas. Os três livros parecem sim partes de uma mesma série, do mesmo mundo e com os mesmos personagens, mas ainda assim independentes e únicos. Eu amo essa abordagem.
Como sempre, Octávia utiliza dessa espécie alienígena para trazer a tona várias discussões relevantes, discussões que também variam de livro para livro. Aqui, ela decide apostar mais em questões familiares, construção social de genro, busca pela própria identidade, preconceito e amadurecimento.
A autora quebra o padrão clássico de família, mas não apenas de forma biológica (já que os Constructos podem possuir até 5 pais), mas principalmente pelo conceito social de família, os laços afetivos que vão além da biologia.
Questões de gênero também são constantes, uma vez que nosso protagonista sempre se sentiu pertencente ao sexo masculino, até receber a notícia que é um Ooloi. Porém, a biologia não mudou a forma como ele se sente, a forma como quer ser tratado, lido e reconhecido, nos fazendo perceber que gênero é algo social, não biológico. Não sei se era a intenção da autora, mas é impossível não pensar em pessoas transgênero, permitindo reflexões muito boas.
O preconceito contra o desconhecido também é recorrente nesse livro. Pode parecer reciclagem dos livros anteriores, mas aqui é trabalhado de forma diferente, principalmente pelo ponto de vista dos rebeldes, um povo que cresceu ouvindo histórias mentirosas ou exageradas sobre os Oankali, muitas delas reforçadas pela religião. Gosto muito da forma como a autora desenvolve esse arco repleto semelhanças com nossa realidade, que são assustadoras.
É importante ter em mente que esse livro é sobre a história de Jodahs e apenas isso, não espere nada grandioso ou cheio de ação, pois essa não é a proposta. Ainda que detalhes sobre o mundo criado pela autora, tanto no tempo presente em que os personagens vivem, quanto as expectativas para o futuro, são temas abordados, mas não são, de forma alguma, o foco.
Veremos muito do amadurecimento emocional, físico, psicológico e sexual de nosso protagonista, demonstrados de diversas formas e por diversas interações com outros personagens, que de alguma forma moldam sua personalidade.
Outra questão interessante, e a forma como alguns personagens enxergam o amor, da forma mais científica possível, como uma reação química no cérebro, que os torna dependentes emocional e sexualmente, como uma forma de ajudar a espécie a sobreviver. Gosto muito dessa visão, que não torna os sentimentos menos reais, mas traz uma forma diferente de vê-los.
Ainda que eu tenha amado esse livro, tive dois pequenos problemas, que me impediram de dar a nota máxima. Esses problema foram a simplicidade da história e de alguns personagens.
Não senti que a história (mais especificamente, alguns temas secundários) ou o desenvolvimento de alguns personagens atingiram todo o potencial que poderiam, principalmente considerando o padrão criado nos livros anteriores. Nada foi superficial, mas senti que acompanhei apenas um pequeno (bem pequeno) pedaço da vida desses personagens, que ainda teria muita história para contar depois disso, e que muito do que vi pareceu simples, mesmo que engrandecido pelos temas socialmente relevantes.
Ainda que esse livro tenha ficado um pouco abaixo dos anteriores, ainda foi, com certeza, um livro favorito para mim, apresentando a história de um personagem encantador, cheio de camadas e com discussões relevantes, me dando mais motivos para ter Octavia Butler entre minhas autoras favoritas.
--- Os Personagens ---
Jodahs. Um Ooloi tímido, as vezes um pouco covarde, mas sempre gentil e inteligente. É interessante observar as formas como a metamorfose afeta sua vida, causando medos, inseguranças e problemas para reconhecer a própria imagem, principalmente seu gênero. Ele é muito empático e consegue se aproximar de todos, principalmente dos que mais precisam de sua ajuda. Seu desenvolvimento durante a história é maravilhoso, nos permitindo conhecer diversas faces de sua vida e ver suas diferentes formas de evoluir.
Nicanj. Uma das progenitoras de Jodahs, uma Ooloi influente em questões políticas entre humanos e Oankali, que é inteligente e extremamente decidida. Ela é a mais solitária dessa família, o que fez Jodahs se tornar muito próximo dela, assim que percebeu essa solidão. Os dois criaram um laço afetivo diferente dos demais, principalmente por um saber exatamente pelo que o outro está passando.
Aaor. Irmã de Jodahs, muito companheira e que está sempre a seu lado. Ela também está passando pela metamorfose, mas de forma diferente de Jodahs, o que traz mais motivos para se aproximarem.
Lilith. Se mantém a mulher séria e forte que sempre foi, mas a idade lhe trouxe mais sabedoria e facilidade para demonstrar alguns sentimentos. Ela encontrou prazer na vida simples, em uma vizinhança que ajudou a construir, ao lado de seu marido Tino, e sua família. Merecido depois de tudo pelo que ela passou. Ela não apareceu pouco, mas gostaria que fosse mais relevante, pois gosto muito dessa personagem.
Jesusa e Thomas. Irmãos de um grupo rebelde que são salvos por Jodahs de uma doença. Eles cresceram em uma comunidade que considerava os Oankali seres demoníacos, mas desenvolvem uma paixão romântica e sexual por Jodahs, o que traz conflitos internos e dilemas para ambos.