Maria19421 11/02/2024
A poesia em sua forma mais concreta
Viva. É como eu me sinto após emergir das entranhas de "O Parque das Irmãs Magníficas". Acho que essa é a melhor palavra para descrever a experiência arrebatadora que foi testemunhar a fúria, o prazer, a dor, a solidão e a beleza da existência travesti. A força, a honestidade e a poesia das palavras de Camila Sosa Villada me seduziram como aos tantos frequentadores do Parque Sarmiento. E, em poucas páginas, me vi enfeitiçada por todo o misticismo, toda a mágica, beleza e sacralidade que compõem o complexo universo da irmandade que povoa as ruas de Córdoba.
Dentre os tantos elementos que fazem desse livro uma obra única e poderosa, é imprescindível apontar para a escrita da autora. Com toques de realismo fantástico, a delicadeza e a ferocidade das palavras de Camila traduzem a maravilhosa contradição de sua existência. Em suas próprias palavras: “meu primeiro ato de travestismo foi escrever, antes de sair na rua vestida de mulher”, e, nessa obra, Camila — aquela feita de pequenos delitos — nos oferece seu interior desnudo, real, exposto e vulnerável, com o admirável objetivo de eternizar a memória daquelas mulheres travestis que andavam de mãos dadas com a morte, arriscando sua integridade física e mental para poderem desfrutar da feminilidade que lhes foi negada pelo sexo biológico e condenada pelo restante do mundo.
Como uma forma de resiliência, em meio à busca desesperada por amor e aceitação, as travestis do Parque formam lindos laços de amizade, de acolhimento, uma aliança familiar entre as órfãs de pai, mãe e humanidade. É inspirador ler sobre a força de tia Encarna, sobre Natali, a lobiscate, Maria, a passarinha, e tantas outras irmãs que passaram pela vida da autora e deixaram sua marca, para, nessa obra, serem celebradas, como diria Angie, na festa que é ser travesti!
“Alguma vez pensaram que a poesia poderia ter forma tão concreta?”, a autora evoca. É lendo sobre essas lobas, bruxas, fadas, cadelas, loucas: tristes almas fadadas ao esquecimento, ao vexame, à humilhação, à violência que fere seus corpos e esgota sua mocidade, que vislumbramos a força e a beleza daquelas que sobem do inferno para trazer ao mundo a Primavera. Obrigada por nos mostrar a concretude da poesia, Camila.