Malle 04/02/2024
Não tente ser o herói da história, a história está morta.
Uma fantasia urbana rápida, direto ao ponto e eficaz em afundar o leitor no universo fragmentado de Sunder City.
Quando comprei esse livro em uma promoção, admito que pouco sabia além de ter sido escrito por Luke Arnold, o Long John Silver da série Black Sails. Fico feliz em dizer que para um livro de fantasia escrito por uma celebridade, brilha aqui a capacidade de roteiro de Luke.
Narrado em primeira pessoa, acompanhamos Fetch Phillips, um completo desastre de detetive particular cujos momentos vão de completa incompetência a estranho brilhantismo, em Sunder City, uma cidade fragmentada após a magia ter sido extinta do mundo. Fetch é um personagem que toca em todas as bases para ser um narrador pouco confiável: ele é alcóolotra, viciado e tremendamente depressivo. Acompanhar seu trajeto na narrativa é como emprestar seu ombro a alguém entre o limiar da sobriedade e "bebacidade": ele tropeça, cai, quase te derruba junto mas tenta se erguer da melhor forma possível para aparentar saber o que está fazendo. Contudo, apesar disso, Fetch se torna o personagem perfeito para sermos introduzidos ao mundo aqui criado, onde seus conflitos e caos pessoal são intrínsecos a dor e desespero da realidade do mundo. Através de flashbacks intercalados no presente ? o que, admitidamente, pode ter prejudicado um pouco a narrativa em razão de sua extensão, ? vemos como Fetch foi uma peça-chave para muitos dos problemas diretos e indiretos causados na atual realidade, esteja ele possivelmente exagerando ou não.
Ele se encaixa perfeitamente, sendo o palco principal mesmo indiretamente. Suas escolhas oscilam entre sendo completamente egoístas até honradas, onde podemos oscilar entre concordar ou não com suas atitudes, que são reações naturais a posição que ele ocupa no universo e história. Sofremos com suas tristezas e arrependimentos, sorrimos com suas felicidades e também queremos que ele dê uma olhada no seu fígado imediatamente; nos importamos com Fetch, e de certa forma, torcemos por ele.
Em relação aos personagens secundários, por conta do caráter solitário de Fetch, eles agem mais como ferramentas para a investigação. O que é uma pena, pois gostaria muito de saber mais sobre alguns deles, além de ver mais interações com o protagonista.
Em relação a história principal, ela foi prejudicada em alguns momentos. Temos plots secundários que surgem no decorrer da narrativa, do qual tiraram a sensação de urgência do desaparecimento que Fetch está investigando originalmente. São plots um pouco desconexos, onde Fetch passa mais tempo arrumando sua própria bagunça ou a de outros, mas pelo menos não são em vão; sua conclusão leva a alguma epifania que nos retorna ao cerne principal. A resolução dessa história, inclusive, acontece rapidamente e sem muitos rodeios, algo que acredito somente fez valer mais a sensação de "pouco importante".
Contudo, apesar das críticas, foi um livro do qual não larguei até terminar de ler. É uma escrita fluída e fácil, com algumas lombadas no caminho. Nós não temos descarregadas quilos de informações de uma vez, como costuma ser com fantasias. É uma introdução progressiva enquanto acompanhamos Fetch, e quando encontramos algo novo, ele nos introduz com explicações rápidas sem parecer leviano. Há também momentos de humor e respiro bem espaçados, deixando a leitura leve apesar de determinados acontecimentos.
Uma ótimo livro que certamente recomendo!