Pilantrinha 05/01/2023
As expectativas já eram baixas, mas pelo amor de Deus.
Eu sou fã de literatura meia boca e não tenho medo de assumir. Leio muita bomba e geralmente me divirto, é uma coisa pessoal. Igual com o cinema trash, alguns filmes são tão ruins que dão a volta e ficam bons, são engraçados. Entretém. O que não é o caso aqui, The Cheat Sheet é só ruim (você já vê no título).
A premissa é boa. Existem milhares de histórias de melhores amigos por aí, mas a maioria usa a velha trama do "gosto de você, mas não entendia muito bem o sentimento e para mim era amizade". A autora usa um gancho diferente, e aqui os personagens são apaixonados um pelo outro, mesmo que em segredo. Dessa forma, ambos estão vivendo aquela paixão platônica pensando que o outro não se sente da mesma forma.
E o que é bom acaba aí.
Como mocinhos, temos a Bree, que é uma professora de ballet para garotas de baixa renda, e o Nathan, que é um jogador de futebol americano. É isso que você terá. Os dois flertam com algum desenvolvimento, mas tudo fica pelo caminho... Sabemos que a Bree quer ajudar as meninas carentes e... nada. Sabemos que ela passou por um evento que, nas palavras da autora, mudou toda sua vida, mas só temos raras menções ao acontecido e parece que não mudou praticamente nada.
O Nathan é um personagem que eu fico pensando se houve algum esforço para ser concebido. Ele é um astro do esporte que pode ser considerado um workaholic, e só. Eu desafio você a fazer um pequeno exercício mental, eliminar o fato dele ser um jogador e transformá-lo em um CEO. A história se manteria exatamente a mesma. O fato dele ser um atleta só serve para que a autora justifique o corpo absurdo que a mocinha cita a cada duas páginas. O cara é só endinheirado e ocupado, podia ser qualquer fantasia das histórias atuais: um bilionário, um mafioso, um fazendeiro...
O mais triste é que quando eu li as páginas iniciais, em que a Bree fala do nada sobre a paixão dela pelo cara, tive esperanças. Porque imagina escrever um livro em pontos de vistas alternados com dois personagens que se amam em segredo. É uma empreitada, tem que saber o que se está fazendo. A Sarah só não sabe.
Cada vez que os personagens começam a levantar motivos para nunca terem tido nada, tomam decisões nada naturais ou lógicas e simplesmente nunca conversam sobre algumas questões, você tem que aumentar a sua suspensão da realidade. Várias obras exigem um pouco dessa suspensão, mas a boas te recompensam com alguma coisa. Geralmente com comédia, o que não é o caso aqui.
Os personagens secundários só não. Isso mesmo, eles só não. A relação do Nathan com seus companheiros de time não parece nada natural. A criação da "lista para conseguir namorar a Bree", que originou esse título totalmente duvidoso, é coisa de maluco. A cena toda parece um episódio de A Turma do Didi, inclusive com autora tentando emular em palavras a clássica ceninha do "ajam naturalmente, tem alguém chegando!". É triste.
Juro que não entendo como as autoras decidem o público que elas esperam que leiam suas obras. Temos aqui um casal adulto (ou pelo menos deveria ser), numa trama mais madura, com problemas financeiros, viver sozinho, filhos e sobrinhos..., mas mesmo assim é cheio de conteúdo adolescente. A festa do companheiro lá do protagonista (que não serve de nada para a narrativa), a briga da irmã da Bree com a sogra, os parentes... Tudo isso tem um ar de sessão da tarde, um filminho da Lindsay Lohan.
E quando chega no final foi que eu joguei tudo para o alto.
[SPOILER SPOILER SPOILER SPOILER]
A ceninha do "vamos esperar o casamento", mesmo depois dele já ter transado com meio mundo de mulheres, só para colocar uma cena em Vegas que já aconteceu em quase um milhão de obras da cultura pop é ULTRAJANTE. Sério. Quer casar seus personagens? Prepara o terreno. Na real, se você quer fazer qualquer coisa que soe minimante natural, você tem que ter um plano de fundo. O cara diz que começa um celibato por só ter olhos para a mulher que ama, para quando finalmente ficar com ela, se "resguardar" para o casamento. Casamento este que convenientemente acontece logo depois. Em Vegas. Acorda, isso era revolucionário quando rolou em Friends, na década de 90.
Acabei de lembrar que a autora apresenta umas referências ao seriado na história. Tá explicado.
[FIM DO SPOILER FIM DO SPOILER FIM DO SPOILER FIM DO SPOILER]
Enfim, é isso. Nunca deixarei de me surpreender com a qualidade de obras que ficam famosas do nada, principalmente no TikTok.
Bebam água, comam frutas e comecem um celibato depois de uma maratona sexual. Depois é só viajar para Vegas.