danilo_barbosa 20/11/2021A vida sem retoquesMesclar palavras e imagens para criar uma obra atual, mordaz, recheadas de verdades e crítica social é para pouc0s. E de forma tão bem sucedida como Leandro Assis e Triscila Martins fizeram em Confinada é algo que dever ser notado, compartilhado e aplaudido.
Transformar a nossa realidade em quadrinhos, com todos seus abismos, hipocrisias e falta de noção de muitos… É isso que ambos nos mostram sem retoques ou atenuações.
Mediando o ponto de vista entre a privilegiada Fran – filha de fazendeiros, digital influencer de renome, branca, classe A, com um casamento de aparências e sem filhos – e a Ju, que trabalha como diarista para a primeira, negra, moradora da comunidade, e que tem de abandonar a mãe a filha para viver com a patroa na pandemia para pagar as contas da família, os autores colocam expostos mais do que o costumeiro duelo de classes, mas evidencia os contrastes do nosso país, em uma dissecação visceral, que poderia ser tragicômica, se não fosse tão real na vida de muitos.
O isolamento devido ao Covid-19 ganha novos contornos, pinceladas e críticas. O preconceito, a intolerância e o negacionismo estampam as páginas, incomodando aos leitores conscientes que sabem que cada situação faz parte da rotina de milhares. Ficamos a nos revoltar com as atitudes e ansiar por mudanças que só nós podemos nos responsabilizar em dar o primeiro passo.
Me peguei rindo, chorando, e com um nó na garganta de incredulidade que demorou a se dissipar. O racismo estrutural, a banalidade da elite que oprime e se acha com razão, e a morte banalizada pelo sistema governamental deixam tudo no tom certo, de um jeito que é impossível de quem o lê se manter de olhos fechados.
É impossível não odiar Fran e seus xiliques, ao mesmo tempo que nota o seu vazio existencial. Assim como admirar Ju e sua consciência para consigo mesma e os outros, disposta a mudar a vida conforme os dias passam ao lado da patroa, trancadas naquele apartamento gigante, transformando naquele microuniverso um retrato de suas existências – e porque não das nossas?