Marilucia 28/06/2023
Precipícios particulares
Quatro paradas para leitura e o livro me consumiu, não eu a ele. É engraçado finalizar a leitura com essa sensação porque dialoga com o que vi metaforizar ao longo de toda a narrativa. Nossos abismos nos consome, nos come pelas beiradas, nos chama aos precipícios particulares.
São 270 páginas acompanhadas pelos 'silêncios' desconfortantes de cada personagem, desde a protagonista, uma criança de 8 anos, ao seus pais e os demais - e raríssimos. Todos convivem com o silêncio abismal de uma vida superficial, de frustrações não resolvidas, dores não encaradas e um turbilhão de situações da vida cotidiana - decisivas ou não - que são empurradas para este mesmo lugar sombrio e aparentemente vazio.
Várias vezes na terapia já conversei sobre esse tipo de silêncio que o livro fala. Parece quieto e oco, mas é um monstro que ganha contorno nos excessos, emocionais e de atitudes. Pilar dá ênfase às muitas plantas que transformam a casa em selva, à rotina quase imutável que dá aparência de conforto e segurança, ao apreciar da beleza que só enxerga o perfeito nas muitas páginas de revistas.
Pilar conta, como se corriqueiro fosse, como Claudia cresce cercada pelos silêncios dos adultos e, principalmente, como essa menina cria narrativas mentais para lidar com eles. É assim que a boneca começa a falar. E a boneca, a mais muda 'entre os mudos', se transforma em presença, mas que acaba sacrificada pelo medo.
Esse livro tão breve me fez pensar na fala de um amigo muito querido. Ele diz que precisamos mergulhar no centro de nós, sair das beiradas, das bordas. Fazendo o paralelo, a borda é o precipício, que aqui no livro encarei como algo personificado. Está ali, concreto nas montanhas, mas ao mesmo tempo pronto para se manifestar em frente a qualquer um que queira 'desaparecer, deixar de viver - se é que já não está morto. E aí, voltamos para dentro ou continuamos em direção às bordas?
"O desafio de não falar é uma tortura e uma estupidez". Há silêncios/abismos/precipícios que só querem ser verbalizados/encarados para se transformarem em lugares de paz.
Que tenhamos coragem!