Luiz Pereira Júnior 25/07/2022
Tal pai, tal filho...
Primeiro, um aviso: “O telefone preto e outras histórias” é uma republicação sob outro título do livro “Fantasmas do século XX”. Ou seja, o que os editores fizeram foi relançar o livro mudando o título para aproveitar o sucesso (?) de um filme atualmente em cartaz. Pois é, acabei comprando um livro que já havia lido. Cuidado, caro leitor, para não cair nessa como eu caí também...
Farei uma pequena análise de cada um deles na ordem em que fiz a leitura e não de acordo com a sequência que aparecem no livro. Normalmente, quando leio um livro de contos, uso como padrão o tempo que tenho disponível (se tiver pouco tempo para a leitura, procuro os menores contos para ler; se tiver mais tempo ou mais disposição, então, busco os mais longos ou aqueles cuja temática e/ou título não me interessaram à primeira vista). Vamos aos contos, então:
1) O telefone preto: O conto que dá nome à coletânea é bem cheio de chavões das obras de terror. Um menino é sequestrado por um palhaço assassino que tem uma vã cheia de balões pretos (óbvia referência a It). No seu cativeiro descobre um telefone preto que o liga diretamente aos espíritos dos meninos assassinados pelo palhaço. Conto absolutamente mediano, sem maiores surpresas nem emoções;
2) Entre as bases: Um jovem disléxico, atendente em uma locadora de vídeos, agride verbalmente uma colega, é demitido e volta para casa, onde presencia um crime e tenta salvar a criança, mas o final fica em suspense. Apesar de lembrar a cena de “À espera de um milagre” em que o grande prisioneiro negro tenta salvar as pequenas gêmeas loiras, o conto é bastante original ao lidar com a discriminação (afinal, sempre somos diferentes de nossos semelhantes) e a visão que nós próprios temos e que os outros têm de nós. Bom conto. Nada fenomenal, mas não chega a desapontar;
3) Último suspiro: Uma família entra em um museu e é avisada pelo seu dono que se trata do museu do silêncio. Ou melhor, nele estão engarrafados os últimos suspiros de algumas pessoas famosas e de ilustres anônimos, sendo possível, ao encostar um estetoscópio (chamado pelo dono do museu de “mortetoscópio”) no vidro, escutar as últimas palavras dos mortos. Sem dúvida, bastante original em sua temática;
4) Natureza morta: Contando os casos de fantasmas de árvores ou de fantasmas de florestas inteiras, esse conto curtíssimo (apenas duas páginas) parece aquelas curiosidades de almanaque. Mas o último parágrafo apresenta a voz do protagonista, contando-nos sobre a árvore morta em que ele repousava a cabeça sobre as pernas de sua amada também morta. Belo final;
5) Melhor estreia de terror: Um conto mais longo, esse é o primeiro na ordem apresentada pelo livro. Um editor recebe um excelente conto de terror de um escritor desconhecido e decide procurá-lo para receber a autorização de publicação. Encontra-o em uma cabana na floresta, junto com sua família homicida e perturbadora. Enfim, algo já visto em filmes e livros de terror (a velha história da família de assassinos, perturbada mentalmente, com uma serra elétrica e um monte de objetos cortantes em perseguição a uma pobre vítima inocente). Nada de surpreendente, portanto;
6) A capa: Um menino de sete anos descobre que sua capa o faz voar. Seu irmão tenta e cai, deformando seu rosto, mas nada que o transforme em uma aberração de circo (como costumam dizer os escritores de terror). O tempo passa, os meninos se tornam rapazes e se apaixonam pela mesma mocinha, que escolhe o dono da capa, que, com o tempo, se transforma naquilo que os americanos chamam de “loser”. O assassinato no final do conto com certeza surpreenderá alguns leitores. Um dos melhores contos do livro, bem narrado, bem desenvolvido e original em sua passagem da infância inocente à maldade da vida adulta;
7) O café da manhã da viúva: Um andarilho pula de um trem em meio à Grande Depressão e encontra a bondade de uma viúva que lhe dá de comer e de vestir. Um belo e sensível conto, sem nada de terror, mas mostrando a miséria e o sofrimento de nossos semelhantes;
8) Fantasma do século XX: Um velho dono de cinema é o protagonista desse conto nostálgico, saudoso de uma época que parece não existir mais (a das grandes salas de exibição, que, aos olhos de hoje, se parece mais com um teatro do que propriamente um cinema). O fantasma do título é o de uma jovem que morreu durante a exibição de “O mágico de Oz” e agora assombra (da forma menos maligna possível, se isso for possível) o cinema. Um belo conto. Talvez lírico seja a palavra que melhor o descreva. Ou nostálgico. Ou melancólico;
9) A máscara do meu pai: Uma família foge para uma casa do lago em um recanto absolutamente isolado, pois, de acordo com os pais, eles estão sendo perseguidos pelo chamado “povo do baralho” que quer cortar a cabeça deles (uma explicação que é dita meio brincando, meio a sério). Nessa casa, todos são obrigados a usar máscaras, mas o porquê disso não é revelado. Os pais mandam o filho passear por uma trilha na floresta, onde ele se encontra com algumas crianças perdidas (o conto de fadas de João e Maria foi a primeira coisa que me veio à cabeça). Ao voltar da floresta, ele se depara com o que parece ser um pacto (ou a cobrança dele). Um ótimo conto: bem estruturado, bem desenvolvido e que dá a chance de o leitor ficar pensando no que poderia ter acontecido. Ponto para o autor;
10) Bobby Conroy volta dos mortos: Um comediante fracassado retorna à sua cidadezinha natal e encontra seu amor de juventude em uma filmagem de filmes de zumbis, em que eles foram contratados como figurantes (zumbis anônimos). O filme é de George Romero (ou seja, um dos maiores filmes da história dos filmes de terror, mas eles foram contratados justamente como seres invisíveis). Na verdade, não há terror no conto, mas sim o gosto amargo do que poderia ter sido e não foi. Talvez seja melhor dizer que, sim, o conto apresenta o horror que todos nós temos de uma vida desperdiçada, ou aquela angústia que temos em nossa juventude do que o futuro nos reserva;
11) Internação voluntária: Um dos melhores contos do livro (talvez o melhor o mais bem desenvolvido), “Internação voluntária” é bastante longo e talvez seja mais bem classificado como novela. O narrador, já adulto, relembra seus dias de infância e de seu convívio com o irmão mais novo, que é savant. O narrador comete um ato terrível por influência de um péssimo amigo, que passa a persegui-lo para que ele não vá à polícia nem conte nada a ninguém. O irmão mais novo, ao perceber o sofrimento do irmão, ajuda-o de uma forma sobrenatural. Um conto que parece bastante influenciado pelas obras-primas do pai do autor, com uma atmosfera melancólica, nostálgica e com os olhos voltados para um passado que sempre volta para nos assombrar;
12) Melhor do que lá em casa: Um garoto com problemas familiares (outro?) enfrenta o drama de um pai destemperado como técnico de um time medíocre (mas nada a reclamar dele como pai) e de uma mãe que busca interná-lo em uma instituição para alunos especiais. Como não tenho o menor interesse em beisebol e os personagens não me atraíram nem um pouco, o pouco que tenho a dizer do conto é que não me disse praticamente nada. Mas é claro que pode acontecer justamente o contrário a você, caro leitor;
13) Pop Art: Um conto sobre a amizade entre seres tão diferentes, mas tão parecidos em sua solidão. Um jovem se torna o melhor amigo de um rapaz que é feito inteiramente e ar, como se fosse uma bolha (impossível não se lembrar do Amigo Bolha do Bob Esponja). Um conto sensível, no sentido mais real da palavra. Uma pergunta que me fiz no final do conto: será que o autor nos quis passar alguma mensagem em código ao construir seus dois personagens-bolha como judeus?;
14) Você ouvirá o canto do gafanhoto: Uma espécie de reescrita da novela “A metamorfose”, de Franz Kafka misturado a um episódio de “Além da Imaginação”. Um rapaz se transforma em um monstruoso (e nada inofensivo) inseto e ataca seu próprio pai e colegas de escola. E tudo por causa de testes nucleares detonados perto de sua cidade. Um bom conto, mas terrivelmente baseado (copiado, inspirado) em histórias que já vimos (e lemos). A bem da verdade, criatividade zero;
15) Os filhos de Abraham – Um pai trata os filhos à base do açoite (literalmente). Vindo de Amsterdã para tentar uma vida nova nos Estados Unidos, a família aos poucos tem seus segredos revelados. É uma história de vampiros, mas por outro ângulo, por assim dizer. E nessa mudança de ângulo está justamente a originalidade do conto. Uma boa história: direta, sem enrolações e com final razoavelmente surpreendente.
Pronto! Agora é com você. Vale a pena? Como entretenimento, enquanto espera seu voo, ou à beira da praia, ou em férias, ou no geladinho de seu quarto, vale a pena com certeza. Bom proveito!