Am'oonchild 30/04/2024
Os cristais do mel quebram o ardido da pimenta
Esse é um livro super rico na sua construção desde o ambiente universitário e a comunidade preta a seus personagens cheios de nuances. Foi até um respiro ter contato com uma configuração totalmente voltada a exaltar referências negras e hábitos culturais de países que, em geral, não tenho muito conhecimento, sendo aqui no caso, a Nigéria. Eu achei tão legal saber sobre os pratos culinários que os personagens gostavam, fiquei morrendo de vontade de experimentar e eu jamais esquecerei do quanto a banana da terra é valorizada pela Kiki.
Essa que, aliás, é uma ótima protagonista, você vai entendendo aos poucos suas travas, motivações e gostos, sendo impossível não desenvolver apego a ela. Foi uma jornada muito linda a ver se libertando de querer se proteger o tempo todo, achando que isolada ficaria salva. Tanto que o grupo de amigas que se solidifica no final foi uma das melhores coisas para mim.
Já o Malakai é um surto coletivo, o personagem masculino sonho de toda mulher, na moral. Eu gostei muito dele, é o tipo de personagem que te deixa confortável para se apaixonar, sabe? Que te faz perceber que ele é o cara legal nos primeiros momentos, sentir em pequenas hesitações ou atitudes o romântico e decente homem que cai de amores primeiro que a mulher.
Assim, como casal, eles dispensam comentários, os dois funcionam muito bem juntos, tem momentos fofos, doces, demonstrações de afeto super tocantes e também tem aquela tensão pairando ao redor deles, aquela faísca que você sabe que pode causar um incêndio. Um dos motivos para eu gostar de namoro falso é que, justamente, as pessoas vão se apaixonando pelo o que o outro é na sua forma mais pura, porque os personagens tendem a se permitirem ser sua versão menos enfeitada em vista de que não há uma expectativa de envolvimento real. Eu amei isso aqui.
De críticas, o que pesou para mim, foram alguns momentos que se estenderam demais deixando a leitura um pouco arrastada e o foco absurdo no relacionamento hétero. Eu juro que até compreendo tamanho foco, porque o livro conta com várias abordagens sobre como as mulheres se sentem dentro de um relacionamento amoroso com homens, o disparate de poder, as formas de manipulação e todas as questões que infelizmente estão intrínsecas na nossa sociedade machista. Eu não tiro o mérito da autora por trazer isso ao livro e desenvolver os assuntos muito bem, inclusive, quando começa os debates junto com Malakai acho que poderia até ter tido mais cenas, pois rendeu ótimos diálogos sobre como cada gênero se sente.
Porém, eu não consegui ignorar a falta de personagens lgbtqia+ no cenário. Tipo, há uma revelação no final que é uma reviravolta muito boa em relação a esse ponto, eu gostei, fez sentindo, foi uau, mas como faço parte da comunidade ainda assim fiquei incomodada por não ter tido um momento de discussão sobre a realidade de casais lgbtqia+, considerando que o Malakai estava fazendo um filme sobre relacionamentos amorosos em ambiente universitário. Apenas por isso. Porque eu realmente não consegui deixar de lado e abstrair.
Mas, eu gostei muito do livro, inúmeras outras coisas foram bem executadas e discutidas, valeu demais.