Coisas de Mineira 14/08/2023
A MALDIÇÃO DO FUSO TRAZ UM RECONTO DIVERTIDO E CHEIO DE AÇÃO
Um conto de fadas e uma grande aventura de garotas com machados e um príncipe amaldiçoado.
A Maldição do Fuso é um livro de fantasia, estreia da autora Leslie Vedder, que chegou ao Brasil pela Editora Melhoramentos. O livro revisita os contos de fadas, especificamente a Bela Adormecida com um toque sáfico de Chapeuzinho Vermelho, de uma forma inovadora e um tanto representativa.
Andar é um reino onde a magia existe. Briar Rose é o príncipe herdeiro, e se torna vítima da inveja da Bruxa do Fuso, que amaldiçoa o reino e seu príncipe. Cem anos se passam, e a história do príncipe amaldiçoado já se tornou lenda – ainda que ninguém tenha coragem de entrar no reino de Andar, cercado por trepadeiras espinhosas.
Filore Nenroa é filha de dois historiadores, e cresceu rodeada de livros e um fascínio ilimitado por aprender e desvendar enigmas. Mas isso foi antes que fosse marcada pela Maldição da Borboleta, que a obriga a se isolar das pessoas que ama. Se torna uma caçadora de tesouros, e seu caminho se cruza em mais um trabalho – o último, ela se promete – com outra caçadora, Shane.
Shane é o total oposto da Fi, mas ela também guarda um segredo e por isso optou por se aventurar no mundo, abandonando sua família pelo bem maior. Ela é feroz, confiante, determinada, acima de tudo porque carrega um machado afiado. Quando encontra um mapa com inscrições que parecem mágicas, sabe que precisa da ajuda de Fi para mais um trabalho. Difícil vai ser convencer a caçadora relutante.
"Devagar, Fi tirou a luva e a deixou de lado. Ela aproximou a mão da vela gotejante, olhando pela milésima vez para a marca queimada em sua palma: uma borboleta caixão-de-defunto estilizada, escura como tinta, com caudas longas que desciam pelo pulso antes de se curvar em direção às asas angu- lares e pontudas. Era a marca de uma maldição, o presente de despedida de seu antigo parceiro, logo antes de ela fugir de Darfell, no ano anterior."
RESENHA DO LIVRO A MALDIÇÃO DO FUSO DE LESLIE VEDDER
As pistas no mapa foram deixadas por uma antiga Ordem das Bruxas. Shane mostra o mapa, e Fi quer acreditar que, além do tesouro, poderá encontrar também alguma pista sobre sua maldição. Nas ruínas, elas encontram uma quantidade enorme de objetos misteriosos, incluindo um fuso. Fi, curiosa, acaba espetando o dedo, o que ativa uma nova maldição.
O fuso está ligado à Briar Rose, o instrumento da Bruxa do Fuso para amaldiçoá-lo. Ao espetar o dedo, Fi se colocou na posição de ser a salvadora de Briar, que está em um sono suspenso. Não só ele, como todo o reino de Andar. Como se não fosse o suficiente se envolver em uma maldição secular, essa ativação acaba atraindo a atenção de um culto implacável de Caça-bruxas, que sentiram a explosão de magia e querem dar fim à bruxa. Seja ela quem for…
É quando entra em cena uma mulher de cabelos escuros numa capa vermelha, que vai ser chamada de Red e vai chamar a atenção de Shane. As duas vão se encontrar e se perder ao longo da história várias vezes, deixando uma impressão fortíssima em Shane. Fi e Shane partem para salvar Briar Rose, e sabem que forças poderosas e antigas vão tentar impedir o despertar do príncipe. Mas muitos mistérios rondam essa maldição.
"Fi piscou, tentando entender o que via. Um garoto flutuava ao seu lado na água – o garoto mais lindo que já vira. Sua pele era macia e pálida, e o cabelo curto e dourado se espalhava ao redor da cabeça como uma auréola, um cacho fino emoldurando os olhos azuis cintilantes. A calça escura e a blusa branca e larga ondulavam, como se embaladas por um vento prima- veril agradável. Um casaco pesado de veludo azul flutuava ao redor de seus ombros como uma capa. Ele estava sorrindo – sorrindo para Fi, olhando-a com tanta serenidade que ela também se acalmou, os batimentos do coração suaves como plumas a seus ouvidos."
DUAS PROTAGONISTAS QUE SE COMPLETAM
Os recontos de contos de fada estão em alta, mas eu achei a inversão da premissa de salvamento em A Maldição do Fuso o que me atraiu ao livro. Ainda, além de duas mulheres saindo para salvar o príncipe, uma delas é LGBTQIAP+. Além disso, a ambientação num mundo mágico e meio medieval foi bem descrita – apesar de sentir falta de um mapa, já que foram mencionados vários reinos, e Fi e Shane se movimentam bastante por ele.
As duas protagonistas são muito diferentes e muito especiais. Fi tem sede de conhecimento, uma versão feminina do Indiana Jones. É muito inteligente, raciocínio rápido, e caiu numa cilada… se relacionou com um cara bem possessivo, e não se recuperou das consequências do término. Mas é uma das melhores caçadoras de relíquias, resolvendo enigmas como um certo Professor Robert Langdon! Mas ela tem suas fragilidades, e é aí que Shane entra.
Shane é forte, destemida; quando está com seu machado, sente que nada pode detê-la. Talvez seja meio inconsequente por conta disso, principalmente quando está por perto de Red, por quem se derrete logo de cara. Mas ela é um furacão, e quando conhecemos seu passado, a vontade é de colocá-la num pontinho para ficar bem protegida. Apesar de que ela não precisa de proteção alguma! As duas são opostos que se completam, e tem mais em comum do que elas mesmas acreditam. Apresentam ao mundo uma casca grossa em função do passado, mas são leais e solidárias. É raro ver a amizade feminina recebendo tanto cuidado e nuances quando relacionamentos românticos são a prioridade na ficção jovem adulto, por isso cada interação das duas – bem sarcástica e cheia de brincadeira – é puro deleite.
"Desde aquele primeiro momento em que se conheceram na floresta, havia algo em Red que atraía Shane. Red era como um quebra-cabeça com as beiradas montadas e o meio bagunçado, e Shane não sabia como encaixar tudo. Contudo, pensar em alguém ferindo Red – quando ela era jovem, quando não fizera nada para merecer – era como um corte a faca."
UMA FORMA ORIGINAL PARA UM RECONTO
Entretanto, mesmo a amizade entre Fi e Shane sendo um elemento importante no livro, temos romance também. Talvez migalhas, mas relevantes. Briar Rose está sob um feitiço do sono, esperando pelo beijo que o salvará. Mas, ele não apenas ocupou o lugar da Bela Adormecida para que Fi pudesse assumir o papel de salvador do reino. Teve seu próprio caminho de amadurecimento e autoconhecimento. Mas, ela não quer nada com o belo príncipe!
Outro casal – bom, Red provavelmente discordaria de mim – poderia ser Shane e Red. Confesso que, apesar de adorar a representatividade, não foi um casal que me convenceu. Instantâneo demais, ainda que fique claro que Shane tem um fraco por mulheres bonitas. Mas não há um desenvolvimento efetivo que justifique as escolhas da Shane. Por se tratar de um primeiro livro de uma trilogia, pode ser que a autora dê mais atenção para as duas, se é que ficarão juntas mesmo.
Enfim, o ponto alto de A Maldição do Fuso talvez seja a forma como a autora o construiu. Não foi simplesmente pegar os personagens originais e dar uma nova roupagem, e sim, pegar os conceitos centrais, que são reconstruídos de uma maneira nova, que se afasta do original. Por exemplo, ainda que Briar seja o príncipe adormecido, ele não é ‘Aurora’, que aqui é a primeira Rainha das Bruxas.
Por tudo isso, A Maldição do fuso foi uma grata surpresa. Ao oferecer não uma, mas duas heroínas cativantes, um enredo de ação e aventura, com muitas reviravoltas e um mundo de magia cheio de bruxas, artefatos mágicos, lendas, ruínas e tesouros escondidos, me deixou imersa e curiosa pelo que está por vir. Embora estivesse pronta para encerrar essa aventura em um único livro, fiquei animada para mais – de Fi e Shane, Briar, Bruxo do Papel (um fofo), e, acima de tudo, de personagens aprendendo a confiar e amar, em busca de uma segunda chance.
"Seriam mesmo tão diferentes? se perguntou Fi. Ela queria acreditar que escolhera salvar o príncipe Briar Rose, mas talvez não fosse verdade. Talvez não tivesse escolha alguma e fosse só arrastada por maldições e magia – como uma folha na tempestade, jogada de um lado para o outro."
Por: Maisa Carvalho
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