adrianlendo 02/06/2023Estar em uma sociedade inevitavelmente religiosa como a brasileira faz com que muitas coisas passem despercebidas em frente aos nossos olhos. Faz com que a crueldade em nome de um ser maior seja facilmente ignorada e a culpa seja jogada inteiramente na obra de um ser mitológico criado justamente para isso - para não dar a responsabilidade para os verdadeiros culpados.
'Caminhando Com os Mortos', mesmo sendo ficção, serve como uma espécie de denúncia acerca da manipulação religiosa conservadora latente no país.
Enquanto uma onda conservadora cresce, as mulheres queimam, somem, são enterradas no quintal de casa e os verdadeiros culpados pela manipulação que leva a isso nunca são responsabilizados porque existe um ser mitológico que pode levar toda a culpa sempre. É quando essas mulheres queimam que os verdadeiros culpados crescem. É enquanto eles crescem que a busca por uma solução para esses crimes diminuem.
Micheliny Verunschk escreve sobre esse descarte de tudo que não é considerado bem visto pela religião de maneira que transporta o leitor imediatamente para o local e, por mais assustador que isso seja, dá muito certo.
Dá certo porque a raiva que sentimos é pra ser sentida, a indignação, a tristeza, o choque e até mesmo o perdão por tudo que acontece apenas por uma manipulação em momentos de fragilidade é sentido exatamente da maneira e no momento em que é para ser assim
São histórias que se conectam porque uma grande parcela do Brasil - infelizmente - já se viu em uma situação de intolerância e manipulação religiosa que remete àquilo.
'Caminhando Com os Mortos' é um livro para ficar de olho, uma grande peça da literatura que faz tanta coisa em suas menos de 200 páginas que até nos momentos mais monótonos consegue transportar o leitor para a fluidez da sua história mesmo quando o choque é muito grande.