Higor 30/10/2023
"LENDO NOBEL": sobre a simplicidade que eleva ao transcendental
Embora seja unânime o entendimento de que uma boa história se sustenta sozinha, sem precisar da leitura de textos de apoio ou de um material prévio para ser compreendida e ter sua mensagem passada ao leitor, também é sempre interessante entender a vida da persona por trás da ideia, compreender seus objetivos, perspectivas de vida e até mesmo inspirações e metodologias aplicadas em seu trabalho.
Dito isso, a leitura de "Brancura", mais recente livro do Nobel de Literatura de 2023, Jon Fosse, é agradável e que se vende sem precisar de apoios, mas que se torna muito mais compreensível quando se tem o conhecimento prévio de que a espiritualidade é um aspecto tão pungente na vida de Fosse.
Nascido em uma família luterana, Jon Fosse passou parte da vida envolto nos pilares do ateísmo, quando, enfim, rendeu-se anos depois ao catolicismo, abdicando-se de muitos hábitos "mundanos", logo, metáforas, alusões e analogias bíblicas não são surpresas em suas obras.
Não dá para falar muito sobre "Brancura" sem soltar spoiler, afinal, trata-se de um livro de 60 páginas, mas a sensação que eu tive foi de a que, enquanto lia, questionava-me onde o autor queria chegar com tais divagações, que eram interessantes, mas pareciam sem um foco, mas após ter um vislumbre de sua vida pessoal, como em um estalar de dedos, toda a metáfora criada fez sentido e se tornou tão esplendorosa e sofisticada, mesmo sendo simples e objetiva.
Basicamente, um homem começa a dirigir sem um destino e, em meio a devaneios, tem o carro atolado em uma floresta. Mais simples impossível, mas o que não significa fácil. Jon Fosse não tem pressa em apresentar as situações, por mais banais e cotidianas que possam ser, como dirigir, ou sair de um carro ou vislumbrar um ambiente.
O fluxo de consciência, embora na mesma linha dos clássicos Woolf, Joyce e Lispector, tem sua própria pureza e beleza estética que o diferencia e, ao mesmo tempo, que alcança seu propósito, e não o torna impossível de encarar. A estrutura, por exemplo, mais se assemelha a Saramago e ao meu querido Sebald, embora exija um tanto de paciência do leitor mais preguiçoso ou desatento.
Poética, precisa e eficiente, a leitura de "Brancura" mais se parece com a concepção de uma pintura. Jon Fosse aplica as camadas lentamente, deixa-as secar, para então inserir novas camadas, que pouco a pouco ajudam a compor a arte que nós, leitores, apreciadores de seu trabalho, iremos contemplar ao final. É preciso paciência, mas compensa, ah, se compensa...
Este livro faz parte do projeto "Lendo Nobel".