Juju 11/02/2024
#Nuncaesqueceremos
Brasil, o país do futebol. Dentre tantos títulos que nos são concedidos devido à vasta riqueza de nossa cultura, eu acredito que este seja o mais popular e ouso dizer até o mais preciso. Quantos meninos não sonham desde crianças, no seio de seus lares pobres e oprimidos, tornarem-se ídolos do esporte e por consequência proporcionar melhores condições de vida às suas famílias? Através do futebol eles enxergam não apenas o sustento, mas a oportunidade de um futuro promissor, brilhante e feliz fazendo exatamente aquilo que mais amam no mundo. Porém, o sonho vem com um preço e exige sacrifícios árduos desde a tenra idade, muitos desses meninos necessitam então voar para longe do ninho, para longe de seu núcleo permeado por amor e cuidados. Para buscarem a chance de suas vidas, eles precisam galgar o próprio caminho há quilômetros de distância, sozinhos e despreparados. Crianças e adolescentes que abrem mão de sua infância colorida para sonharem como adultos. Assim eram os 10 garotos que perderam tragicamente suas vidas em um incêndio no Ninho do Urubu.
Na madrugada de 8 de fevereiro de 2019, as instalações do Centro de Treinamento George Helal- popularmente conhecido como o CT do Ninho do Urubu - pertencente ao Clube de Regatas Flamengo, pegaram fogo. O incêndio iniciou-se devido a uma pane elétrica em um dos ares-condicionados dos alojamentos compostos por contêineres, precisamente o do quarto 6. Rapidamente o fogo se alastrou, tomando conta de toda a estrutura. Dos 24 garotos integrantes dos times de base do Flamengo que dormiam no local naquela noite, 16 conseguiram escapar com vida. Outros 10 não tiveram a mesma sorte. O que se seguiu foi uma grande comoção midiática e nacional, conforme os nomes dos atletas falecidos eram divulgados em jornais de todo o país. As investigações realizadas pelos peritos, no entanto, revelariam uma série de irregularidades que teriam sido apontadas inúmeras vezes ao clube, que escolheu se abster de quaisquer responsabilidades. Tal como em outros casos como a da Boate Kiss, a justiça deixou de ser feita adequadamente e conforme os anos se passam os nomes dos garotos e suas histórias caem cada vez mais no esquecimento. Mas afinal quem eram eles? Em Longe do Ninho, temos a oportunidade de conhecer mais de perto a trajetória de vida - e infelizmente de morte - desses grandes e talentosos sonhadores que tiveram seus sonhos interrompidos por uma tragédia que poderia ter sido evitada. Porém, muito além da morte, essa também é uma narrativa sobre esperança, superação e sobre futuro. Nunca nos esqueceremos, para que não se repita.
Daniela Arbex é a autora mineira de seis livros publicados pela editora Intrínseca. Ela se especializa em contar as histórias verdadeiras e comoventes a respeito de tragédias que abalaram o nosso país, a exemplo do rompimento da barragem de Brumadinho e o Incêndio na Boate Kiss em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Com um olhar respeitoso, humano e ao mesmo tempo afiado, Daniela tem como objetivo oferecer um panorama geral e completo das circunstâncias que levaram a esses tristes acontecimentos, sem perder de vista a própria humanidade de seus personagens. Longe do Ninho é uma narrativa comovente e crua que nos conta uma história ao mesmo tempo linda e triste. História esta que talvez nem todos tenham prestado atenção ou se preocupado em escutar devidamente, quando essa terrível tragédia ocorreu no Ninho do Urubu.
É muito fácil enxergar as vítimas como números, mas a autora faz questão de dar a todos eles um nome, um passado e atribui-los sobretudo uma bela trajetória de vida. Pablo Henrique, Bernardo, Arthur, Vitor Isaias, Athila, Christian, Rykelmo, Gerson, Samuel e Jorge Eduardo foram adolescentes entre 14 e 16 anos com sonhos, objetivos e muita esperança em seus corações. Ainda novinhos eles decidiram lutar por seus ideais, deixando para trás um lar repleto de afeto a fim de seguirem um caminho incerto e permeado por muitos sacrifícios. Suas famílias confiaram os bens mais preciosos de que dispunham ao Flamengo, abdicando do pouco que possuíam, torcendo para que seus filhos pudessem voar alto. Em troca, receberam-os de volta em caixões. O incêndio ceifou-lhes quase tudo, deixando apenas um rastro de dor e indignação. Até o final de 2023, o processo a respeito do caso encontrava-se em grau de recurso (estacionado). Quase todos os sobreviventes já deixaram o clube e as famílias hoje seguem em frente com suas vidas, para sempre com um buraco em seus peitos ocasionado pela ausência. Enfrentam julgamentos injustos e dedos apontados de forma punitiva, condenando-os por aceitar a parca e estúpida indenização que o Flamengo lhes ofereceu. Nenhum dinheiro será capaz trazer seus filhos de volta e seus rostos permanecem imortalizados através de fotos, memórias, murais e canções que a torcida entoa. Para os que viveram, os 10 serão eternamente fonte de inspiração e combustível para darem o melhor de si, honrando os sonhos daqueles que se foram (13 dos 16 sobreviventes se profissionalizaram). No entanto, ninguém apaga a injustiça, os erros e as consequências da ganância cega que para sempre serão uma mancha nefasta na história do clube e do futebol brasileiro.
O livro é emocionante, eu chorei litros. Não tem muito o que dizer. É uma obra de partir o coração, porém extremamente necessária. Leia. Leia para conhecer a histórias daqueles meninos, para saber seus nomes. Para se emocionar com suas trajetórias, com seus sonhos e com sua felicidade contagiante que era a luz, o sol, o núcleo de suas famílias que os criaram com tanto amor, carinho e afeto. Leia para honrar suas memórias, para não permitir que caiam no esquecimento. Para que todos saibam o que verdadeiramente aconteceu em 8 de fevereiro de 2019, para que isso não se repita.