DIRCE 23/12/2022
O sobrenatural (literal) ou como representação dos “fantasmas” de um passado violento.
Recordo-me que quando li “O Morro dos Ventos Uivantes” da Emily Brontë, fiquei atônita como uma escritora tão jovem conseguiu mostrar interior do espírito humano e os mecanismos que desencadeiam as paixões. Como ela pode abordar de forma tão dramática o confronto entre o amor e a vida, tudo dentro de uma atmosfera densa, sombria, com a presença de ser sobrenatural - o famoso gótico ? Pensei: Nossa! Esse livro foi psicografado. Essa impressão se manteve nas várias releituras que fiz dessa obra.
Mas porque estou dizendo tudo isso? Toni Morrison era uma jovenzinha quando escreveu Amada? Ela também foi tomada por um espírito e psicografou a obra? Não. Ela não era uma jovenzinha, e tampouco foi tomada por um espírito que a levou a psicografar Amada. Porém, Toni Morrison estando sentada em um píer em frente da sua casa, à margem do rio Hudson, teve uma espécie de epifania e deu voz a sessenta milhões e mais , nesta obra magistral.
Embora eu tenha achado uma leitura difícil, devido a alternância do foco narrativo, da narrativa complexa e dos diferentes pontos de vista, que me obrigaram , inúmeras vezes, voltar às páginas anteriores para relê-las , Toni Morrison conseguiu seu intento: (...) levar o leitor a percorrer o terreno da escravidão e percorrer a paisagem repelente (oculta, mas não completamente deliberadamente enterrada, mas não esquecida (...) pag.12.
Bem, eu disse que no Morro dos Ventos Uivantes, havia presença de um ser sobrenatural, e não é que “Amada” se abre com as frases : "O 124 era rancoroso. Cheio do veneno de um bebê"(...). O ano que se inicia a narrativa é o ano de 1873 – 10 anos após a abolição da escravatura no Estados Unidos.
Até a chegada do Paul D. Seth e Denver (mãe e filha) viviam em um ambiente domestico que abrigava segredos sombrios, porém Paul D. consegue afugentar o bebê fantasma, mas a partir de então, torna-se impossível soterrar o passado.( gente, isso se passa bem no início da trama, portanto, acredito que não é spoiler).
Há tanto o que se falar sobre esse livro, mas eu não quero me estender. Entretanto, preciso dizer que aquela música: levanta sacode a poeira e dá volta por cima ( nem sei o porquê de ela vir a minha mente, mentira: sei sim) , se aplicada como um incentivo para seguir em frente , não passaria de um tremendo insulto diante de todo o cenário da obra. Lembrei-me da música porque considero que muitas vezes, "jogamos poeiras debaixo de um tapete", entretanto, quando resolvemos sacudi-lo, veem à tona todos os traumas, todas as dores, toda as chagas que tentamos esquecer, e no caso aqui em questão, soma-se a tudo isso as privações, a negação da humanidade e a condição de sujeito tolhida.
O final do livro, apesar dos pesares, a solitária e ávida de amor – a jovem Denver – consegue uma espécie de Redenção, quando sai em busca de ajuda e de trabalho, e finalmente ela compreende a noção de liberdade.
Encerro por aqui certa de que, em breve, farei a releitura desse livro, pois sei que tenho muito a desvendar.
AMEI. AMEI. AMEI.