Jaqueline 19/10/2011Muito mais do que um simples livro com uma grande quantidade de páginas, Queda de Gigantes é um romance ambicioso e envolvente. Primeiro volume da trilogia O Século, este livro poderia facilmente cair no clichê do “livro gigante de leitura maçante”, mas acaba proporcionando momentos de verdadeiro deleite no leitor com seu intrincado encadeamento de fatos históricos casados com um diversificado leque de personagens apaixonantes.
Este foi, sem dúvida alguma, o melhor livro que li em muito tempo. Muito mais do que simplesmente apresentar fatos históricos e grandes falas de personagens como Winston Churchill e Trótski, o autor Ken Follett nos apresenta uma trama extremamente humana e sensível sobre pessoas de diferentes países e classes sociais em um mundo que passa por profundas mudanças! O tempo de Queda de Gigantes é um tempo conturbado. Nos anos onde a história do livro se desenrola, meia dúzia de países, conscientemente ou não, dão os passos decisivos que impulsionaram importantes transformações sociais e políticas no início do século passado.
Incrivelmente humano, o livro narra o dia a dia das capitais e das trincheiras, com soldados lutam por suas vidas em territórios desconhecidos, as chamadas “terras de ninguém”, e comandantes que não sabem como justificar uma guerra que esgarçou o mundo como era até então compreendido, separando famílias, matando milhões de inocentes e colocando outras tantas pessoas na miséria. É impossível não se emocionar com a passagem onde homens combatem em trincheiras de lados opostos durante o dia e transpassam as mesmas durante a noite da véspera de Natal para beberem juntos em meio ao frio enregelante do inverno europeu.
A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa são os dois vórtices do livro. Pelas ruas de Moscou, o jovem Grigori Peshkov observa chocado aos estragos que a guerra fez em seu país. A fila do pão começa em plena madrugada, e nela, homens, mulheres, idosos esperam pelo único alimento do dia. Na Inglaterra, milhares de mulheres como Ethel Williams invadem fábricas e se tornam a força de trabalho número um do país, mesmo sem direito ao voto. Nos Estados Unidos, o presidente Woodrow Wilson extingue sua saúde em uma caravana que atravessa o país em busca de apoio da opinião pública pela interferência de seu país no fim da guerra que assola a Europa.
A trama se desenvolve em torno de vários personagens de países diferentes, cada um representando distintos estratos sociais de uma mesma nação. O livro se inicia na Grã-Bretanha, onde conhecemos Billy Williams, então com 13 anos de idade, em seu primeiro dia de trabalho em uma mina de carvão. Filho de um líder sindicalista profundamente arraigado a valores morais e irmão da astuta governanta Ethel, ao longo do livro ele se torna um homem. Esta trajetória é marcada pela superação do medo e pela perda de sua inocência juvenil, mas não pela quebra de sua fidelidade àquilo que é justo.
Fazendo um contraponto à pobreza dos trabalhadores da mina, temos o arrogante conde Fitzherbert, proprietário da mina onde Billy trabalha. Casado com a frívola princesa russa Bea, Fitz acredita piamente na hierarquia social que separa inferiores de superiores, mulheres de homens, pobres de ricos, subordinados de dominadores, mas mesmo assim acaba se envolvendo com Ethel, uma das empregadas de sua casa. Algumas das distinções que norteiam sua vida são questionadas pela sua irmã, a sufragista Maud. Engajada na luta pelo voto feminino, ela é o típico caso de mulher inteligente e teimosa demais para seu próprio benefício. Já considerada uma solteirona aos 26 anos de idade, ela acaba se apaixonando pelo alemão Walter von Ulrich, um dos melhores amigos de seu irmão. Subordinado ao seu pai, Walter é um jovem que trabalha na embaixada alemã e aspira à grandes posições nesta carreira. Seu amor por Maud acaba sendo correspondido e, juntos, eles vivem uma das mais belas e dolorosas histórias de amor que li em tempos. Mesmo com uma guerra no caminho e a oposição de seus familiares, o drama que os separa é maravilhosamente mesclado a situações fiéis ao cotidiano, como a aparição de Maud em uma coluna social graças ao estilo inovador e elegante de suas roupas ou a primeira vez em que dos dois transam, cheia de tentativas e erros, frustação e paixão, alívio e temor.
É curioso como estas duas pontas, família Williams e a família Fitzherbert, se entrelaçam. A empatia existente entre Ethel e Maud funciona como o alicerce para uma parceria que influencia milhares de pessoas, unindo o país em busca de uma representação política mais igualitária.
Da Rússia do príncipe Andrei e da princesa Bea, temos os irmãos Grigori e Lev Peshkov. Distintos como água e óleo, os dois operários almejam “fazer a América”. Além dos sonhos de uma vida melhor nos Estados Unidos, eles também compartilham o desejo que sentem por Katerina, uma atrevida mocinha que só tem olhos para o egoísta e sedutor Lev, que perde seu tempo tentando “fazer um extra” vendendo contrabando e aplicando pequenos golpes em turistas incautos. Centrado, honesto e responsável, Grigori tomou para si a responsabilidade sobre o comportamento impulsivo do irmão, fã de vodca, cigarros e mulheres. Ele sofre trabalhando horas extras em uma fábrica de peças de trens enquanto relembra a morte dos pais, assassinados a mando dos nobres Andrei e Bea quando os meninos ainda eram pequenos.
Mais do que a oposição entre nobreza e proletariado, temos na história dos órfãos a emergência do modo de vida americano no mundo. Seus ideais democráticos e a capacidade de mobilidade social atraem imigrantes do mundo inteiro, como o russo Josef Vyalov, que rapidamente passou de leão-de-chácara de um bar a homem de negócios por um caminho não muito ortodoxo.
Ainda no outro lado do Oceano Atlântico, temos o norte-americano Gus Dewar, assessor do presidente Woodrow Wilson. Jovem, ele é bem-sucedido e dedicado ao seu trabalho, acreditando firmemente na influência dos Estados Unidos na formação de um mundo composto por nações unidas e alinhadas com a paz e o crescimento mútuo. Pena que sua sorte profissional não se reflete no plano amoroso: após uma grande decepção, ele vê na colega de infância Olga Vyalov uma nova chance para o amor, mas seu noivado com a rica mocinha emergente pode não ser tudo aquilo que ele espera. A jornalista Rosa Hellman, dona de um raciocínio rápido e de uma curiosidade que compensam sua falta de beleza, completa o elenco norte-americano do livro.
Acabamos conhecendo intimamente cada um dos personagens, sentindo seus sonhos, suas ambições, suas dores, seus mais ocultos desejos. O modo como suas trajetórias de vida se encaixam é - em uma palavra - genial, revelando o exímio trabalho de pesquisa do autor, que mistura ficção e realidade em uma verdadeira obra-prima. Se você é fã de História, não pode deixar de ler este maravilhoso romance assinado por Ken Follett.
>> Análise postada no site www.up-brasil.com