Arthur 29/06/2021
"Recorte"
Antes de dar as minhas impressões sobre a obra, preciso destacar duas coisas: não sou historiador, e qualquer crítica que eu faça (aliás, quem sou eu?) não abala a posição de clássico. Inclusive, para se criticar, ainda que um clássico (ou principalmente os clássicos) é necessário lê-los.
Dito isso, algumas coisas me incomodaram bastante na leitura de "Raízes do Brasil". A primeira é a generalização. Não sei se foi um movimento audacioso do autor em tentar estabelecer "um" perfil de brasileiro, mas me parece impossível fazê-lo, sobretudo em um território de dimensões continentais, extremamente populoso e com grande diversidade regional. Para citar um exemplo, o tão falado conceito do "homem cordial". É possível encontrá-lo em um universo, hoje, superior a 200 milhões de habitantes, mas me parece irreal definir como sendo uma espécie de brasileiro padrão. Aliás, o conceito de homem cordial é usado de forma toda equivocada por aí e, não me parece algo positivo.
Outra coisa, e talvez aqui a mão acabe pesando: "Raízes do Brasil" talvez devesse se chamar "Raiz do Brasil", porque flerta com epistemicídio. Aqui o raciocínio é relativamente simples: a formação étnica-cultural do país advém de, pelo menos, e de forma generalizante, de 3 origens. Mas o livro foca apenas na perspectiva do colonizador português (em comparação com o espanhol e, em alguns momentos, com o inglês). E, para além disso, nas vezes em que trata das matrizes indígenas e africanas, o faz como mero objeto dentro do processo desenvolvido pelos portugueses. Em sua obra, o professor Milton Santos ao falar de sistemas hegemônicos cita que sempre haverá reação do grupo submetido a esse processo, sendo essa reação, inclusive, parte fundamental no espaço geográfico.
Dito tudo isso, é importante também considerar toda a variação temporal. Talvez a obra seja um excelente relato sobre um determinado recorte da população, naquele contexto espaço-tempo.
Enfim, repetindo, é um clássico que, deve sim ser lido, mas com cuidado e atenção, até para evitar o anacronismo.