Charles Lindberg 25/04/2021
Krenak é cirúrgico na crítica, embora falhe em identificar os fatores subjacentes e conseguintes "ideias para adiar o fim do mundo" trazido por eles
ig: @teachernoctowl
Nesta coleção de textos breves de 2017 a 19, o pensador indígena brasileiro comenta uma série de problemas que, em sua avaliação, tornam insustentável a continuação da espécie humana neste planeta a longo prazo.
Em suas sensíveis descrições, Krenak demonstra um entendimento arguto da natureza estrutural dessas questões, e como estão muito acima da responsabilidade individual de cada cidadão: a exploração inexorável dos recursos naturais por sempre crescentes lucros imediatos; a completa desvalorização da vida e cultura humana frente à expansão do lucro; a alienação necessária à qual a vasta maioria das pessoas é submetida ao se preocupar apenas com o que comer amanhã, sem tempo para pensar num escopo maior; a ignorância voluntária dos líderes políticos em relação ao conhecimento científico estabelecido e à produção de ciência com o potencial de melhorar e salvar inúmeras vidas; etc.
Infelizmente, no entanto, Krenak dança em torno desses problemas, explorando-os como uma rede intrincada de questões vagamente relacionadas, que remetem ao egoísmo histórico da humanidade; em vez de enxergá-los pelo que realmente são: não simples, mas uma multifacetada série de ramificações do sistema sócio-econômico que rege as relações interpessoais e internacionais da nossa era.
Em outras palavras, para ser conciso: Krenak falha em perceber, ou apenas ignora, que todos os problemas que aponta com tanta expertise nada mais são do que consequências do capitalismo, posto em lugar há cerca de cem anos.
E não é que sejam problemas com o capitalismo. Não: como o pensador aponta, sem se dar conta (ou por omissão), esse é exatamente o funcionamento intendido da máquina econômica mundial, com toda a superexploração do trabalho, o desprezo pela vida, e a devastação natural. O problema é o capitalismo em si. Que nem sempre esteve aqui, e não precisa permanecer.
Por toda a sua preocupação focada na preservação das culturas e nações indígneas, Krenak parece tomar o capitalismo como pressuposto natural às relações humanas, em vez do desdobramento da ideologia liberal que serviu de pináculo para o colonialismo — do qual fala abertamente, como destruiu centenas de povos —, o escravismo e, após as revoluções burguesas do século XIX, começou a sustentar a dominância das classes superricas e a preservação da vontade das grandes corporações que delas descendem aos dias de hoje. Que estabelecem conosco, a massa trabalhadora, uma relação análoga à que as monarquias absolutistas mantinham com a classe burguesa há duzentos anos.
Em suma, Krenak conclui sua crítica contundente sem nunca se aproximar do alvo, e jamais propõe uma via de ação concreta pela qual se possa, de fato, "adiar o fim do mundo" trazido sobre nós por essas relações de exploração.
Assim como a burguesia se revoltou e destronou os monarcas de outrora, que nada produziam de valor; hoje as massas assalariadas são quem produz valor, sustentando a aberrante existência de uma hiperreduzida elite de bilionários em controle das grandes corporações que literalmente decidem o futuro do mundo. E têm, hoje, mais poder concentrado do que qualquer rei teve antes.
Para usar a metáfora de Krenak: estamos todos correndo em direção ao mesmo abismo. A não ser que tomemos consciência dos fatos, e atiremos para lá quem nos empurra antes que caiamos. E ninguém vai precisar de "paraquedas coloridos".
Nota: 2,5/5 rios devastados pelo capitalismo
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