Rafa 28/11/2022
O AMANTE, MARGUERITE DURAS
Não foi fácil para mim e, até este momento, tudo se confunde. Mas o livro precisa ser digerido. O seu grito seco permanece em um ressoar contínuo.
O enredo traz algo, na superfície, que aponta para um outro, profundo, escuro: decifra-me. Não é sobre o romance entre uma menina de quinze anos e um homem mais velho, são os mortos.
"Eles estão mortos, agora, a mãe e os dois irmãos. É tarde demais mesmo para as lembranças. Não os amo mais. Nem sei se os amei. Eu os deixei. Não tenho mais na memória o cheiro de sua pele nem em meus olhos a cor dos seus. Não me lembro mais da voz, exceto às vezes a voz da doçura mesclada ao cansaço da noite. O riso, não ouço mais, nem os gritos. Está acabado, não lembro mais".
É da infância na Indochina Francesa (atual Vietnã) que irradia a literatura de Marguerite Duras. É da solidão e de uma vertiginosa dor que vem a potência da sua escrita: "Comecei a escrever num meio que me impelia fortemente ao pudor. Escrever para eles ainda era moral. Escrever, agora, é muitas vezes como se não fosse mais nada. Às vezes sei disto: que a partir do momento em que não é mais todas as coisas confundidas, ir ao sabor da vaidade e do vento, escrever não é nada. Que a partir do momento em que não é, a cada vez, todas as coisas confundidas numa só por essência indefinível, escrever não é nada senão publicidade".
Esse trecho, logo nas primeiras páginas, traz o retrato da narrativa, o ontem e o hoje, misturando-se em pensamentos e relatos, percepções, fotografias bem marcadas no texto, e o tempo, o tempo passando de modo indecifrável, veloz. Em que ponto estamos? Ah, sim, "muito cedo foi tarde demais em minha vida. Aos dezoito anos, já era tarde demais". Há um rosto na narrativa. Um rosto de menina maquiado como mulher adulta, ?prostituta branca?, pintada de desespero, mas bonita, bonita, o que ela acreditasse ser, o que quisessem que ela fosse. Dura, cortante, impassível. Uma menina totalmente conectada com o desespero da mãe. Uma mulher desperta pelo ódio.
Não se atravessa facilmente essa terra amarga. Não se avança sem que se sinta um peso desolador. Mas algo fica ausente, suspenso. Eu, como leitora, não consegui sentir os personagens. São fantasmas.