Thiago662 23/04/2022
A lucidez de um homem considerado louco pela sociedade
"Não me incomodo muito com o Hospício, mas o que me aborrece é essa intromissão da polícia na minha vida. De mim para mim, tenho certeza que não sou louco; mas devido ao álcool, misturado com toda espécie de apreensões que as dificuldades de minha vida material há seis anos me assoberbam, de quando em quando dou sinais de loucura: deliro".
"Um maluco vendo-me me passar com um livro debaixo do braço, quando ia para o refeitório, disse: - Isto aqui está virando colégio".
"Mais do que os grandes acontecimentos, na nossa vida, são os mínimos que decidem o nosso destino" (Cap. 1 Cemitério dos Vivos).
"Suicidou-se no pavilhão um doente. O dia está lindo. Se voltar a terceira vez aqui, farei o mesmo. Queira Deus que seja um dia tão belo como o de hoje".
Diários do Hospício é composto das notas escritas por Lima em sua segunda internação, entre dezembro de 1919 e fevereiro de 1920. Diagnóstico: alcoolismo. Tudo era tratado como loucura e degenerescência na Primeira República. É um relato extremamente lúcido sobre as instituições para alienados, na pena cáustica de Lima Barreto. Ele reconhece o seu vício, as suas causas e queria, e muito, combatê-lo.
Há a definição de hospício enquanto um cemitério de vivos, lá estão enterrados literalmente. As cenas de humilhação descritas doem em qualquer um: "Todos nós estávamos nus, as portas abertas, e eu tive muito pudor. Chorei". Lima crítica os médicos, tão letrados, mas pouco conhecedores da alma humana, que diziam tentar curar. Critica a ideia de uma suposta herança que levava a degeneração, tese muito difundida no Brasil preconceituoso das primeiras décadas do XX.
Pudera Lima Barreto saber que ele ainda vive, um século depois da sua morte prematura. E aqueles que ele criticavam, muitos membros da Academia Brasileira de Letras, tornaram-se ilustres desconhecidos. Viva Lima!
Cemitério dos Vivos é uma forma de transformar em romance toda a vivência do Hospício, por isso há muita repetição em relação as discussões tratadas no "Diário do Hospício". O livro ainda apresenta alguns contos escritos por Lima, cuja loucura é o tema central.
Em síntese, é uma obra fundamental para se conhecer a pessoa Lima Barreto (mais do que as biografias escritas sobre ele).