spoiler visualizarEduardo 07/05/2021
Ayn Rand é a favor da liberdade, bate tanto na esquerda quanto na direita
A Revolta de Atlas é conhecido como um livro “neoliberal” no qual Ayn Rand, autora soviética naturalizada americana, pergunta por pelo menos 28 vezes “quem é John Galt?”. Mas tenho o hábito de ter minhas próprias conclusões a respeito das coisas. Assim, ao enfrentar 1215 páginas de leitura do livro – a maioria das quais uma delícia de leitura – cheguei a uma conclusão diferente. Primeiro: advirto que fornecerei alguns spoilers, mas tentarei evitá-los ao máximo. Segundo: é necessário que se diga que Ayn Rand escrevia os livros querendo mostrar “como o mundo deveria ser”. Assim, ela criou muitas situações teóricas que, a meu ver, não são factíveis de ocorrer no mundo real.
A Revolta de Atlas é uma distopia na qual as pessoas mais produtivas, inteligentes e/ou inovadoras decidem fazer uma greve quando começam a enfrentar uma decadência do mundo em que vivem. Embora destaque líderes empresariais, financeiros, jurídicos e culturais, alguns trabalhadores de funções intermediárias e até trabalhadores do “chão de fábrica” também entram em greve.
A decadência é simbolizada pela criação de novas leis que são elaboradas por um conluio de políticos e medíocres empresários famosos que possuem empresas grandes (aqui vai a primeira cacetada em algumas das pessoas que elogiam o livro). Esses referidos empresários são incompetentes e elaboram as leis para ganhar dinheiro automaticamente com a criação das leis, mas como eles são incompetentes as leis criadas por eles possuem resultado oposto do esperado e a situação fica cada vez pior.
A autora tem muitas concepções com as quais eu não concordo. Ela considera que todos os pobres são incompetentes e exclusivamente os únicos culpados pela própria pobreza. Ela é contra filantropia, contra todo e quaisquer tipos de subsídios (será que todos os empresários que escreveram elogios ao livro na contracapa leram o livro até esta parte?), é contra toda e qualquer intervenção governamental na economia, embora na época dela já tivessem tido exemplos nítidos dos resultados ruins oriundos da não intervenção governamental (1929, os grandes trustes existentes no começo do século XX nos Estados Unidos que promoviam dumping). Diversos personagens do livro, em alguns momentos, trabalham desde manhã até altas horas da madrugada. Tá bom que foi na empresa deles, mas que tal largar de ser pão duro e contratar alguém para ajudar? Outro problema é que Rand ironiza a igualdade de oportunidades em muitos trechos do livro. Talvez ela tenha tentado atenuar isso indicando grandes contrastes entre dois pares de irmãos: Dagny e James Taggart, Hank e Philip Rearden. Acredito que todos devem ter as mesmas oportunidades de formação. Rand não entendeu essa parte. Rand também propõe uma reflexão sobre se as pessoas trabalhariam com a mesma qualidade caso os resultados financeiros fossem distribuídos de acordo com a necessidade das pessoas e não com os resultados do trabalho (Rand, existem poucos locais onde o dinheiro é distribuído proporcionalmente aos resultados do trabalho). Outro ponto é que a autora exige que todos os trabalhadores tomem decisões difíceis em cenários extremos (será que eles possuem autonomia para isso).
Agora vamos aos acertos. Eu nunca vi um retrato tão magnífico daqueles que considero dois dos principais problemas do mundo: não obediência à melhor técnica/melhor ciência (alguma semelhança com o que vive nosso país atualmente?) e tráfico de influência/conchavos/panelinhas. James Taggart – um incapaz, inepto, incompetente – assumiu a presidência da ferrovia Taggart transcontinental por tradição e “por uma espécie de superstição”, “o presidente sempre tinha sido o filho mais velho da família Taggart”. A partir de James Taggart, Ayn Rand constrói um retrato primoroso de um dos indivíduos mais execráveis da literatura e é através dele que ela dá uma paulada na direita (a turma da “tradição”). Os diálogos entre James e Dagny, a competentíssima irmã engenheira de James, são perfeitos. Através de James e seus amigos, Ayn Rand critica pessoas em cargo de chefia que se acovardam e não tomam quaisquer decisões ou tomam decisões incorretas para beneficiar amigos ou ao próprio umbigo, mas que logo se apressam para assumir como seu o sucesso que é oriundo de ações e decisões de terceiros. Rand também critica a justiça subjetiva e as religiões (como uma boa soviética ela era ateia). A autora também convida que a realidade seja observada e que as decisões sejam tomadas com base nos fatos, ela rejeita artificialismos como critérios para tomadas de decisão. Por fim, ela é a favor do aborto (legalizar o aborto diminuiria a quantidade de abortos).
O livro é muito longo e tem muitos pontos não abordados aqui. Minha conclusão é que a autora, embora seja conhecida como um baluarte da direita, critica tudo aquilo que se opõe à liberdade individual, incluindo religiões e tradições (dois amuletos da direita). Ela também critica artificialismos. Assim, a autora critica tanto a direita quanto à esquerda. Na parte do entretenimento, a maior parte do livro é gostosa de ler, é um livro que a leitura vale a pena. Infelizmente na versão brasileira faltaram notas, mas o kindle disponibiliza essas notas na parte de degustação da versão americana. O livro desperta muitas reflexões. Recomendo a leitura. Quem é John Galt?
OBS: além de A Revolta de Atlas li “A Nascente” da autora, não tendo conhecimento sobre outros livros dela.