Pandora 16/06/2017
Se eu tivesse me auto-desafiado a ler e resenhar clássicos da literatura infantil e contos de fadas em 2017, não estaria lendo e resenhando com tanta frequência esses gênero. Como não me auto-desafiei, aqui estou para comentar mais um clássico da literatura infantil.
Ou, talvez, essa volta ao mundo literário da infância tenha a ver com a incrível sensação de vazio na qual me sentir envolvida, as vezes ainda me sinto, há algum tempo atrás. De muitas formas literatura infantil quando bem feita tem qualquer coisa pronta a abraçar; acolher; levar em conta o fantástico, o misterioso, o inexplicável; e, mesmo dentro de uma enorme complexidade, a literatura infantil é simples, simplicidade nesses momento é tudo.
A primeira sensação que tive lendo J. M. Barrie foi de uma profunda nostalgia da infância, existe qualquer coisa em nós que não sobrevive a infância. Esse sentimento foi intensificado ainda mais pela experiencia de ler a história em uma edição completamente ilustrada por Eric Kincaid.
Amo edições de bolso, são charmosas, cabem na bolsa e na palma da mão, mas nada produz uma imersão tão grande no mundo infantil e nas memórias de infância quanto ler um livro infantil em formato de livro infantil. Ler livros assim fazem o tempo voltar, me senti com nove anos de novo, senti saudades das minhas edições há muito desaparecidas de Simbad e Ivanhoé e da minha própria Terra do Nunca.
Quanto a história do Peter, apesar do quanto ela foi explorada pela mídia nas ultimas décadas é impressionante o quanto a narrativa de Sir James Matthew Barrie ainda tem a dizer.
Barrie conta a história de um menino em situação de rua, desamparado que vive com outras crianças em situação de rua e desamparadas na Terra do Nunca, um lugar no qual essas crianças são chamadas de "meninos perdidos" e não crescem. Toda aventura narrada no livro começa quando quando Peter rouba Wendy e seus irmãos do conforto do seu quarto as vésperas do Natal e os levar voando para essa terra de maravilhas e aventuras.
Confesso que várias vezes me peguei pensando se a aventura dessas crianças se deu em um mundo a parte ou se eles simplesmente vagaram pelas ruas de Londres e a imaginação infantil fez o trabalho de transformar a realidade em magia.
Quando Peter explica a Wendy sobre a origem dos meninos perdidos foi impossível não lembra do "Capitães de Areia" de Jorge Amado e daquelas crianças em situação de rua vivendo a aventura de existir a margem pelas ruas, becos, vielas e praia de Salvador. É desalentador pensar em crianças perdidas, se unindo para sobreviver, usando dos recursos da infância para enfrentar piratas e perigos.
"São os meninos que caem dos carrinhos quando as babás não estão olhando. Se não forem reclamados em sete dias, são mandados para longe, para a Terra do Nunca. Sou o chefe deles."
Muita gente se choca com a falta de limites morais de Peter, com a facilidade com a qual ele é capaz de sequestrar, matar e mutilar. O Capitão Gancho as vezes parece uma vitima e os piratas são homens para lá de desamparados, mas eu me pergunto, o que se pode esperar de uma pessoa a quem até o prazer de ouvir uma história é negado?
As "crianças perdidas" não contam com nenhum adulto para cuidar delas, vivem escondidas, a margem da sociedade em mundo cheio de possibilidades para aventuras, porém no qual é possível se passar inclusive fome. É verdade que existe Sininho, a fada mais ciumenta do multiverso, que é adulta e vive com as crianças, porém ela não assume o papel de cuidadora em momento algum.
E sobre ausência de pessoas adultos, mentira dizer que na "Terra do Nunca" eles não existem. As sereias, os indígenas e os piratas são adultos, porém estão ocupados demais vivendo suas vidas para se ocuparem daquele bando de pestinhas. E nesse ponto lembrei do Chaves do Roberto Gómez Bolaños vivendo em um barril, eternamente faminto, constantemente humilhado pelas crianças da vizinhança e tolerado pelos adultos por não ser violento.
Ninguém humilha Peter e as crianças perdidas, pois elas são violentas, agressivas e só obedecem suas próprias regras. Vez ou outra tem um ato de generosidade aqui e ali pelo qual são recompensadas e também são capazes de estabelecer alianças, mas sob ameaça elas sempre reagem com ferocidade.
"- Sabe, disse Peter - não conheço história alguma. Os meninos perdidos também não.
- Que coisa! disse Wendy.
- Você sabe, perguntou Peter - por que as andorinhas constroem ninhos no beiral das casas? É para ouvir as histórias que contam para as crianças, à noite..."
As crianças perdidas são livres, assustam quando exercem sua liberdade e comovem quando mostram o quão carente de mães são. Uma vez instalada na toca das crianças Wendy vira a mãe de todas elas e com amor maternal assume todas as funções de mãe como se brincasse de casinha. Não é a toa que com o tempo a melancolia toma conta da menina e o desejo de voltar para casa surje em seu horizonte, para ela a Terra do Nunca não é nada lúdica.
E sobre carência de mãe, também me comove ao extremo a carência dos piratas. Para mim, eles são os meninos perdidos que sobrevivem a infância e Peter Pan não é um nome próprio e sim o titulo dado ao chefe dos meninos perdidos, uma vez adulto ele vira o Capitão Gancho em um ciclo sem fim. E isso me lembra a vida das crianças em situação de rua.
"- Pan, perguntou ele - quem é você?- Sou a juventude, sou a felicidade, respondeu Peter. - Sou um passarinho que acabou de sair do ovo.Era um absurdo, claro, mas, para o infeliz Gancho, era prova de que Peter não sabia quem era."
No mais, Peter Pan é uma história cheia aventura, magia. Recheada com seres fantásticos, magica, sensibilidade e provocações. Mesmo agora muito se pode falar sobre ela, é um clássico em si, uma história feita para provocar que não duvida da capacidade de compreensão do leitor e o leva a pensar sobre a realidade. Estou apaixonada por essa história!
site: http://elfpandora.blogspot.com.br/2017/06/peter-pan-de-j-m-barrie-minhas.html