Lucas1429 09/05/2022
Erico idealista
Clarissa, pessoa e obra, fincaram raízes na primeira fase do autor, complacentemente idílica, oferecendo regaços aos seus protagonistas no otimismo de mundo, por mais que eles os indagassem. Este, seu romance de estreia, é histriônico nesse percurso, melodramático e duvidoso. Disfarçável, engana fácil, tem um séquito fiel e longo, mas não os culpo em interpretação, é pessoal, e, em meu caso, pelo visto intransferível. Também, Erico já nasceu exímio letrista, forma as palavras de modo a calejar quem o lê num transe conspiratório. Conseguiu.
Minhas condecorações se restringem às frases oníricas, há um centeio de esperteza e esperança na formação de Clarissa que se desfaz diante do vocabulário racista - seu maior ponto de desfalque -, assim como em demais habitantes da pensão da tia a que ela completa o elenco. Belmira e Andreza são as empregadas negras do local, vistas como tresloucadas e inferiores; numa passagem, Clarissa se incomoda de Amaro (outro contraponto problemático) cumprimentar Belmira e não a ela, incomodada que a outra houvesse destaque maior, sendo ela quem é, sobrinha da dona, e, consequentemente, branca. Visões do sul de 30, do Brasil de outrora e em frente.
Erico ambienta a história durante o governo Vargas, e num estudo da formação de Porto Alegre, sua terra natal, há fundadas as afirmativas preconceituosas como estrutura da concretização do estado, que mesmo na sobrevida das camadas mais pobres, salienta-se os percursos de prejulgamento essenciais para a logística desses pares demasiadamente brancos na fixação social e cultural do lugar.
No fluxo de incoerências, há ainda Amaro, hóspede que almeja viver de música, sonha acordado e é apercebido como introspectivo. Sua saga pode ser analisada num paradoxo com a juvenilidade de Clarissa, próxima dos 14, ele, dos 40, quando a contrasta com seu passado de menino, hoje perdido, pessimista à vida. Porém, o reflexo geracional platônico se excede com indicações ambíguas dessas observações "pueris", dito sua formatura de moça à mulher (num período que a adolescência significava transgressão ao "adultismo" precoce feminino). Mas, Veríssimo não é apático ao modelo de formação de seu período, a protagonista é limitada no campo financeiro, romântico, fraternal. Podados pelos costumes missionais da tia e da situação empobrecida dos pais - um estatuto político da Segunda República. Lhe resta fantasiar: o autor também é gentil, concede resgates infantis como demanda sua idade; ela, por exemplo, não apresenta a recíproca a Amaro, desfruta apropriadamente de seus anos.
Literatura é, ainda, representativa de seu tempo, diante de quem a faz; vivência de Erico ou não, abordar tópicos melindrosos é espairecer a crítica e interpretação do leitor, vivo. Os exemplos nas letras são de catálogo, há extensos livros ditos problemáticos, que nos acometem em analogias do senso de análise, típico, isto é ler. Porém, conceder do idealismo do criador de sua mocinha ingênua é um alerta, a desigualdade refundada no preconceito e no racismo, ditados num ritmo lírico e tenro, como se nada estivesse acontecendo.