Dani Husz 25/05/2020
A forma que a vida têm
Essa é uma história leve, tão leve quanto o processo de mudança pode ser. No momento que passamos por ele, nos parece doloroso, escabroso e até impossível, mas quando olhamos para trás, já metamorfoseados enxergamos a beleza do que antes nos parecia martírio.
Assim é a história de Clarissa, menina decidida que começa a história como uma criança matreira e se transforma em moça bem educada para os padrões do século XX.
A experiência dessa leitura me rememorou minha própria passagem pela adolescência, onde tudo é intenso e os sentimentos são como uma montanha russa sem controle. A sensação de ser dona de si e ao mesmo tempo não o ser, as confusões que as descobertas podem trazer em nossa vida são exploradas nessa história, que é ambientada em Porto Alegre.
Clarissa mora em uma pensão com os tios. Ela se mudou do interior para poder estudar e voltar da cidade com o diploma de professora.
Apesar de todos mais velhos, os inquilinos são seus amigos e tentam agradá-la. A menina passeia pela casa e pelo jardim, recebe visita da amiga, vai para escola e, sempre atenta, descobre até segredos dos moradores, que prefere guardar consigo.
O esqueleto da história é simples, a passagem do tempo transformando a menina em moça. O que enriquece a narrativa são os detalhes e as personagens, que possuem características singulares.
Uma personagem que me chamou bastante atenção foi seu Amaro, um pianista tristonho que passa a vida absorto em sua individualidade, como uma concha que se fecha protegendo seu maior tesouro.
Se apaixona por Clarissa com a consciência de que esse é um amor impossível, ele não tenta demonstrar seus sentimentos, apesar de expressá-los ao presenteá-la e ao tocar para ela. São as cenas mais lindas da história, pela inocência envolvida por ambas as partes.
Não passa pela cabeça de Clarissa que os agrados daquele homem possam ter segundas intenções, assim como ele realmente não as têm quando os faz. É uma relação muda, e repleta de carinho. É triste, assim como Amaro. Também é plausível e tangível, quantos amores mudos não tivemos em nossa vida?
A vida passa e as coisas mudam, afinal, tudo é dinâmico. Há relatos de que essa história tenha uma característica biográfica, pois Érico Veríssimo também saiu do interior para morar um tempo em Porto Alegre. De acordo com o prefácio, a menina ganhou forma na mente do escritor, que iniciou o seu relato ao imaginá-la em meio as árvores, bochechas vermelhas saltitando na grama. Essa menina ganhou forma e ganhou vida através das palavras.