@pacotedetextos 03/02/2015Valor históricoO Vermelho e o Negro é um romance histórico psicológico, em dois volumes, do escritor francês Stendhal, publicado em 1830. Costuma ser citado como o primeiro romance realista, mesmo com grande carga de uma sensibilidade romântica. A ação transcorre na França no tempo da Restauração antes da Revolução de 1830, supostamente entre 1826 e 1830, e trata das tentativas de um jovem de subir na vida, apesar do seu nascimento plebeu, por meio de uma combinação de talento, trabalho duro, engano e hipocrisia. (Fonte: wikipedia)
Jorge Luis Borges incluiu o romance entre os maiores de todos os tempos.
Bom, eu não sou Jorge Luis Borges (“ooooooh“). Tudo bem que é inegável a importância histórica do romance – talvez mesmo por isso eu tenha me dado a tarefa de lê-lo -, mas muitas vezes eu me pegava perguntando “quando esse livro vai acabar?“.
Em alguns momentos, a história se arrastava páginas e páginas seguidas; noutros, a passagem de cena era abrupta, e eu demorava a entender o que havia acontecido. Numas situações, surgiam verdadeiros deus ex machina, solucionando questões aparentemente insolúveis e permitindo a mudança de cena, ainda que de forma bastante inverossímil (pelo menos para mim); noutras, que permitiriam um desenvolvimento maior, o autor simplesmente usa e abusa de etc. etc.
Ainda assim, há que se destacar o melhor do livro: o final. E com isso eu não quero dizer o fechar do volume e a sensação de “finalmente acabou”, mas sim as 50 últimas páginas.
Há, além disso, uns trechos bem interessantes, que se aplicam não só ao século XIX como à atualidade, como o seguinte:
O inconveniente do reinado da opinião pública, que aliás busca a liberdade, é que ela se mistura ao que não lhe diz respeito: por exemplo, a vida privada.
Pode ser que um dia, se eu resolver reler O Vermelho e o Negro, eu reveja meus conceitos – assim como um belo dia, no “auge dos meus quinze anos”, cheguei a achar estúpido o final de um livro do Machado; hoje em dia, bem, não preciso dizer nada! Mas, no momento, ouso discordar de Borges. Com todo o respeito, claro.
Curiosidade:
Há controvérsias sobre o porquê do nome O Vermelho e o Negro. Minha opinião? Deve ter algo a ver com amor e ódio, sentimentos tão opostos que, ao mesmo tempo, muitas vezes caminham lado a lado – na mesma pessoa.
Trechos:
. No Franco-Condado, quanto mais muros se constroem, quanto mais guarnecidas as propriedades de pedras enfileiradas umas sobre as ourtas, tanto mais se adquire o direito ao respeito dos vizinhos. (p. 12)
. A tirania da opinião – e que opinião! – é tão estúpida nas pequenas cidades da França quanto nos Estados Unidos da América. (p. 13)
. Mas essa emoção era um prazer e não uma paixão. Ao voltar a seu quarto, ele só pensou numa felicidade, a de retomar seu livro favorito; aos vinte anos, a ideia do mundo e de nele produzir um efeito prevalece sobre qualquer outra coisa. (p. 62)
. Eis aí a fortuna imunda a que chegarás, e somente a terás nessa condição e em tal companhia! Terás talvez um cargo de 20 mil francos, mas será preciso que, enquanto te empanturras de carne, impeças de cantar o pobre prisioneiro; oferecerás almoços com o dinheiro que tiveres roubado de sua miserável ração, e durante teu almoço ele será ainda mais infeliz! (p. 121)
. O andarilho que acaba de escalar uma montanha íngreme senta-se no topo e encontra um prazer perfeito em repousar. Mas seria ele feliz se o forçassem a repousar sempre? (p. 133)
. Estranho efeito do casamento, tal como o produz o século XIX! O tédio da vida matrimonial faz seguramente morrer o amor, quando o amor precedeu o casamento. No entanto, diria um filósofo, ele gera em seguida, nas pessoas bastante ricas para não trabalharem, um cansaço profundo de todos os gozos tranquilos. E somente as almas secas, entre as mulheres, não buscam de novo o amor. (p. 133)
. Desde Voltaire, desde o governo das duas Câmaras, que no fundo não é senão dúvida e exame pessoal, e dá ao espírito dos povos o mau hábito de duvidar, a Igreja da França parece ter compreendido que os livros são seus verdadeiros inimigos. Para ela, é a submissão do coração que é tudo. Ser bem-sucedido nos estudos, mesmo sagrados, é suspeito, e com razão. Pois quem impedirá o homem superior de passar para o outro lado, como Sieyès ou Gregóire? (pp. 152-153)
. Que juiz não tem um filho ou pelo menos um primo a promover na sociedade? (p. 172)
. Sempre haverá um rei que quererá aumentar suas prerrogativas; a ambição de querer ser deputado, a glória e as centenas de milhares de francos ganhos por Mirabeau sempre tirarão o sono dos homens ricos da província: chamarão isso ser liberal e amar o povo. A vontade de ser par ou fidalgo da Câmara sempre dominará os conservadores. Na nave do Estado, todo o mundo quer ocupar o comando, pois é bem pago. (p. 195)
. Um romance é um espelho que se leva por uma grande estrada. Ora ele reflete a vossos olhos o azul do céu, ora a imundície do lodaçal da estrada. E o homem que transporta o espelho nas costas será por vós acusado de ser imoral! Seu espelho mostra a imundície, e acusais o espelho! Acusai antes o grande caminho onde está o lodaçal, e mais ainda o inspetor de estradas que deixar a água empoçar-se e o lodalçal formar-se. (p. 297)
. A política … é uma pedra atada ao pescoço da literatura e que, em menos de seis meses, a submerge. A política em meio aos interesses da imaginação é como um tiro de pistola em meio a um concerto. É um ruído dilacerante sem ser enérgico. Não combina com o som de nenhum instrumento. Essa política irá ofender mortalmente uma metade dos leitores e aborrecer a outra, que, ao contrário, a julgou especial e enérgica no jornal da manhã… (p. 312)
. Um viajante inglês conta a intimidade em que vivia com um tigre; ele o criara e o acariciava, mas tinha sempre sobre a mesa uma pistola armada. (p. 356)
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