Jaqueline 13/08/2011“Heresia – Um Suspense Histórico”, livro lançado pela editora Arqueiro, é um daqueles livros que nos envolvem do começo ao fim. Com muitos mistérios e crimes macabros, acompanhamos a história do monge italiano desde os seus dias de reclusão religiosa até sua transformação em uma espécie de Sherlock Holmes da era Moderna.
Banido da Igreja por sua paixão por leituras heréticas, Giordano se torna um acadêmico que teoriza sobre a organização do cosmos segundo o pensamento de Copérnico, onde a Terra gravita em torno do Sol. Como bem aprendemos em nossas aulas de História Moderna no colégio, este pensamento era o suficiente para condenar alguém à forca nos idos de 1583, ano em que a trama do livro acontece. A antiga rixa entre ciência e religião, que atingiu seu ápice com a Inquisição, é o ponto de partida da obra, uma vez que Giordano Bruno acredita em uma outra compreensão da mente divina e do seu propósito para com a humanidade. Partindo em busca de um antigo livro de autoria de Hermes Trimegisto, um sacerdote do antigo Egito que dizia ter desvendado os mistérios da razão de Deus, nosso protagonista segue caminho até a Universidade de Oxford, em Londres, onde faz amigos e inimigos entre o corpo docente.
Nesta primeira etapa, a narrativa do livro se mostra um pouco arrastada. No entanto, com a chegada de Giordano a Oxford, tudo muda: o livro ganha um ritmo vertiginoso, com descrições envolventes dos grandes teólogos e doutores que lecionam no lugar. Narrado em primeira pessoa pelo protagonista, "Heresia" nos joga em um sedutor caldeirão intelectual e teológico. Em meio a tantos personagens de personalidade duvidosa, como o professor James Coverdale, o pomposo estudante Gabriel Norris e o professor Slythurst, a filha do diretor da Universidade, Sophia, acaba se destacando. Destemida e muito inteligente, Sophia desafia sua família ao rejeitar se comportar como uma boa jovem de sua época e prefere os livros poeirentos da biblioteca da Universidade aos bordados que seus pais esperam que ela faça. A atração intelectual não demora a acontecer entre ela e Giordano Bruno, mas o macabro assassinato do professor Roger Mercer nos jardins do campus mantém o nível de romance da obra no mínimo necessário, abrindo caminho para uma série de investigações eletrizantes sobre quem poderia planejar um ato tão macabro quanto soltar um cão de caça faminto em um jardim com todos os portões trancados a chave e depois revirar o antigo quarto do professor enquanto seu cadáver mal havia esfriado.
Não espere delicadeza: as mortes apresentadas na obra chamam a atenção pela sua sanguinolência, uma vez que o cadáver de cada uma das vítimas imita o martírio de um dos santos da Igreja, como São Sebastião. Suspeitos não faltam, uma vez que o diretor Underhill narra as sofridas biografias dos santos durante os sermões que faz na igrejam da Universidade. Essas histórias são extraídas da obra de Foxe, um antigo estudioso de Teologia cujos livros Underhill estuda. E é justamente um recorte de um desses livros a principal pista de Giordano para desvendar os crimes que estão assolando Oxford.
Alunos, professores e funcionários: todos são suspeitos. A missão de Giordano, que de algum modo sempre acaba sendo um dos primeiros a se deparar com os cadáveres, é encontrar a pessoa que teria interesse em difundir tanto medo entre os homens que ainda se relacionam com a Igreja Católica em Londres, berço da Reforma Protestante. A ligação entre a política e a religião é o segundo ponto forte do livro, e nesse sentido a obra ganha muitos pontos por apresentar ao leitor de forma bastante simples a tensão política que marcou a Europa durante séculos:
"Hoje a fé a política são uma coisa só - disse ele. - Talvez sempre tenha sido assim, mas é algo que parece haver atingido novos extremos em nosso século conturbado, não acha? A religião de um homem me diz onde está sua lealdade política, muito mais do que sua terra natal ou sua língua". (pág. 28)
Em alguns sentidos, “Heresia” pode lembrar um pouco o livro “Anjos e Demônios”, de Dan Brown, mas no contexto geral o livro foge das artimanhas carismáticas usadas pelo autor norte-americano. A autora S. J. Parris não tem a intenção de criar polêmicas baratas com a Igreja, mas sim apresentar personagens de caráter contundente e relatar como a perseguição aos rebeldes católicos se deu na Inglaterra elizabetana segundo o ponto de vista de pessoas de diversas classes sociais: condes, professores, livreiros, estalajadeiros ou visitantes estrangeiros. Um livro de narrativa primorosa e eletrizante, "Heresia" é uma indicação para todos aqueles que gostam de História e doses cavalares de suspense.
>> Resenha publicada no site www.up-brasil.com