Rafael Mussolini 01/05/2021
Cartas para a minha mãe
"Cartas para a minha mãe" da Teresa Cárdenas (Editora Pallas, 2010) é um livro epistolar que é quase um pedido de socorro. Não com o intuito de que apareça um salvador para tirar a protagonista do ambiente de violência parental em que vive, mas como um auto socorro. Nele uma menina escreve cartas para sua mãe morta e em seus escritos fica nítido o amor, a admiração e as saudades que sente dessa realidade. Escrever se torna então refúgio, lembranças de tempos bons, manutenção de sua memória afetiva e desabafo, já que na casa em que mora com uma tia e suas primas precisa fingir não existir. Sua avó também está sempre presente na história e assim como os demais parentes é incapaz de uma demonstração de carinho para a menina órfã.
A cada carta endereçada à memória da mãe, como leitores vamos acessando também a história de uma família que guarda dores e tragédias. Acessamos um pouco da construção social de Cuba em relação aos pobres, a um racismo arraigado nas relações, e muito sobre o poder das crenças e da religião sobre a vida das pessoas.
O livro expõe uma nuance do racismo que violenta fortemente a construção das identidade, pois existe uma manifestação do preconceito que convence os próprios negros da sua inferioridade. Quando consegue fazer com que o negro abrace a ideia de que está exatamente na situação em que devia estar por conta da sua cor, o racismo garante sua manutenção do controle e do poder.
Ao mesmo tempo que as cartas revelam as dores e violências que a menina precisa enfrentar, vai também mostrando como pouco a pouco ela foi reencontrando sua força. O livro nos deixa angustiado do começo ao fim, pois escancara a realidade da violência contra uma criança, algo que infelizmente acontece muito. Mas a menina, sempre que possível, exerce sua ironia perante a vida, reconhece intenções, atos e falas destrutivas, questiona o porque de alguns acontecimentos e por vezes temos momentos bem engraçados, que serve como um respiro para os leitores.
Existe uma não aceitação de seu núcleo familiar que tem a ver com o racismo e um outro lado que tem raiz na história familiar. No que se refere ao racismo, Teresa Cárdenas faz algo muito interessante que é colocar a personagem principal no lugar de questionadora. Enquanto suas primas a perseguem por conta da cor da pele, do cabelo, das suas feições de menina negra, a mesma ao questionar o porque dos ataques vai chegando à conclusão do absurdo de tudo. Ela transforma a violência em auto afirmação.
Um outro acontecimento que será muito importante para a libertação da menina será a relação familiar que passará a estabelecer com outras pessoas que entrarão em sua vida. Uma velha tida como bruxa na comunidade com quem conversa e se refugia do sofrimento. E um jovem que estuda na mesma escola e que também enfrenta problemas familiares. Com ele a menina começa a descobrir o amor.
Podemos dizer que "Cartas para a minha mãe" é um livro que exalta a liberdade, o auto conhecimento, a libertação. Ele também demonstra como nós, seres humanos, somos seres que necessitam da interação e do afeto dos nossos para enfrentar melhor os desafios da vida. Estamos diante de cartas que registram o amadurecimento e o crescimento de uma menina que utilizou das perdas irreparáveis para construção da sua individualidade. A menina escrevia para a mãe e também para si.
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