Mia 17/12/2014
A princesinha (ou: como encantar crianças, jovens e adultos)
Tenho uma queda por livros infantis.
Mais do que uma queda, eu diria. Uma verdadeira fascinação. Desde criança sou rata de biblioteca. E é verdade que minhas primeiras leituras foram clássicos da literatura universal (ou seja: livros mais adultos do que infantis). Porém, sempre li de tudo e não deixei, apesar dos anos acumulando-se, de lado meu amor pela literatura destinada aos pequenos, ao entretenimento e formação da criança.
Então é claro que não hesitei nem sequer um momento quando vi numa das prateleiras da biblioteca pública um exemplar de A Princesinha, de Frances Hodgson Burnett. Acho que todos os winkers (leitores deste blog) têm mais ou menos a mesma idade que eu, ou seja: devem lembrar-se do filme que possui o mesmo título e tem por história uma menina que vive em um internato e passa maus bocados por lá.
Quando eu era pequena todos me diziam que eu era uma princesa e me tratavam como tal. Acreditei piamente nisso até meus onze anos. Cá entre nós, secretamente ainda finjo que sou uma princesa de contos de fadas porque isso, de fato, embeleza mesmo os momentos mais difíceis, mais terríveis. Lembro que a primeira vez em que assisti ao filme inspirado nesse livro tive um grande reconhecimento com a personagem principal, a princesa Sara. Porque ela também, apesar de não ser uma princesa por sangue, fingia e acreditava ser uma princesa para poder viver de forma mais esperançosa as adversidades que a vida lhe impôs. Claro que naquela época eu não fazia ideia que aquele filme incrível havia sido baseado num livro tão incrível quanto. Só fui saber disso há algumas semanas. Mas o fato é que a leitura do mesmo despertou coisas em mim que há muito estavam adormecidas por conta dos problemas cotidianos e desse tão atribulado 2014 (eita ano quebradiço!).
O livro é diferente do filme, mas diferente de uma forma maravilhosa. Poderia dizer até que é mais mágico. Li comentários de pessoas dizendo que detestaram-no porque o filme é melhor, blablabla whiskas sachê. E né, totalmente subjetivo isso. Em minha visão são histórias diferentes - com a mesma premissa, porém, diferentes - que complementam-se. Ambos são lindos e não há motivos para disputas.
Burnett conta a história de Sara Crewe, uma menina de 7 anos muito esquisita para sua idade, ou, como seu pai dizia: antiguinha. Ela é deixada num internato em Londres sob os cuidados de Miss Minchin porque seu pai precisa voltas à Índia por questões de trabalho. Porém, no seu aniversário de 11 anos uma tragédia acontece e ela passa a ser considerada uma mendiga vivendo de favor no internato. Miss Minchin (aquela mulher insuportável) a maltrata de todas as formas possíveis que uma criança poderia ser maltratada. E se eu contar mais do que isso estarei dando enormes spoilers, afinal aqui livro e filme separam-se e seguem trajetórias bem diferentes.
"Se a natureza faz uma pessoa ser generosa, é como se as mãos dela nascessem abertas, e o coração também. E mesmo que haja ocasiões em que as mãos estão vazias, o coração está sempre cheio, e é possível dar o que está lá dentro. Coisas boas, amáveis e doces, ajuda, consolo, risos. E muitas vezes, a melhor ajuda de todas é uma boa gargalhada."
O elemento mais lindo na história é a forma com que Sara usa sua imaginação para lidar com seus problemas cotidianos. A imaginação é algo maravilhoso, especialmente a infantil, mas é interessante perceber isso nela mesmo enquanto crescida (ao final do livro ela já é uma adolescente). É mágico.
"— Eu também não sou muito de responder — dizia Sara, para se consolar. — Se eu puder evitar, não respondo. Quando estão insultando a gente, a melhor responda é não dar uma palavra, só olhar e pensar. Miss Minchin quase desmaia de raiva quando eu faço isso. Miss Amelia fica com medo e as meninas também. Quando a gente não perde a calma, as pessoas sabem que a gente é mais forte que elas, porque consegue se controlar e elas ficam dizendo coisas estúpidas, de que depois se arrependem. Não existe nada tão forte como a raiva — a não ser o que faz você controlar a raiva, que é mais forte. É muito bom não responder nunca aos inimigos. Eu quase nunca respondo."
É um livro lindo possuidor de ótimas críticas sociais que tanto crianças quanto adultos podem perceber de forma clara. Nunca havia lido nada da autora, mas amei cada página virada. É aquele tipo de leitura que recomendo a todos de olhos fechados. Não é necessário ser criança para se encantar com a história da princesinha Sara, de como ela suportou com dignidade suas aflições e de como não deixou-se levar por acontecimentos bons ou maus, mas sempre manteve um caráter irrepreensível. Mais do que um livro, é uma lição de vida.
Em um quote:
"— Seja o que for — pensou — uma coisa não se altera. se eu for uma princesa esfarrapada, posso ser uma princesa por dentro. Seria fácil ser princesa vestida de ouro, mas é um triunfo muito maior ser uma princesa o tempo todo, sem ninguém saber. Quando Maria Antonieta estava na prisão, tinha perdido o trono, ficara de cabelo branco e só tinha um camisolão branco para vestir, todos a insultavam, mas ela era muito mais rainha do que quando tinha tudo. Pelo menos, para mim. As multidões que gritavam não a assustaram. Ela era mais forte do que eles, mesmo quando lhe cortaram a cabeça."
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