bardo 28/06/2023
Reler um livro é sempre uma experiência arriscada, a possibilidade de frustração ou de quebra de memória afetiva é grande. Alguns escritores subvertem essa tendência e Clarice é um deles. Na verdade seus livros de um modo geral pedem, exigem e crescem nas releituras. Reler Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres depois de dezessete anos foi talvez uma das releituras mais intensas que já fiz, mesmo para um livro de Clarice.
Com sua proposta aparentemente despretensiosa, não temos exatamente muita ação acontecendo aqui; Clarice nos conta o romance entre Lóri (alias Lorelay) e Ulisses. A maior parte do texto entretanto não tratará do externo, teremos alguns diálogos, mas de um modo geral o que a autora vai nos mostrar é a busca interna de Lóri, seu amadurecimento “guiado” por Ulisses.
Talvez incomode um pouco o leitor a aparente submissão de Lóri a Ulisses, num primeiro momento pode-se pensar que a autora está deixando implícita uma superioridade de um gênero sobre o outro, tal leitura é apenas aparente. O que acontece é que temos duas almas em níveis diversos de desenvolvimento.
A despeito do tema e estrutura enganosamente simples Clarice nos leva com Lóri em uma viagem de autodescoberta e crescimento. São tantas sensações e ideias que a autora joga para o leitor em pouco mais de cem páginas que é de se perder o fôlego. Duas cenas, entretanto, se destacam: a consumação do relacionamento entre os personagens, uma cena bela e simbólica e a talvez mais intensa passagem do livro, o capítulo da festa.
Não é um livro fácil, seu início é um tanto truncado, mas este junto com A Paixão Segundo GH, Água Viva e Sopro de Vida meio que completa os “evangelhos” de Clarice como leituras essenciais da autora.