Caique 07/05/2023
“Um dia será o mundo com a sua impersonalidade soberba versus a minha extrema individualidade de pessoa mas seremos um só”. Lori, personagem principal do romance (Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, livro de Clarice Lispector) diz essa frase para Ulisses, diz para o leitor mas contudo diz para si mesma, decreta, reverbera, eterniza o seu sentimento de solidão diante de um mundo que pela ausência preenche a sua própria individualidade: um dia seremos um só, um dia serei humana.
Uma história que começa com a continuidade de uma vírgula (,) e termina também com a continuidade de dois pontos (:) assim como a vida, uma real aprendizagem de entender e estar pronta para amar, estar pronta humanamente para ser o que se é, para assim poder entregar parte desse sentimento para o outro, para as relações entre ela e o mundo.
Por outro lado Ulisses parece já estar pronto, pelo menos teoricamente, professor de filosofia, mais velho em idade, entendedor de pensamentos difíceis, Ulisses parece entregar sua soberba impessoal mas entrega a Lori o tempo e sua paciência e com isso ela aprende a não só entendê-lo, como viajar profundamente dentro de si mesma para entender o que é “eu” para assim contemplar o que será o “nós”.
Clarice escreve uma história de uma mulher que viajou o mundo todo mas nunca tinha sido banhada pelo mar e que ao se permitir o contato dos pequenos prazeres da carne com a grande fluidez da consciência conseguiu a liberdade de ser tudo, de ser o mundo pulsando em vida:
“Ela era antes uma mulher que procurava um modo, uma forma. E agora tinha o que na verdade era tão mais perfeito: ela era a grande liberdade de não ter modos nem formas”...