Euflauzino 18/12/2018A incansável busca pelo saber
A “medicina é um sacerdócio”. Com essa frase em mente e por tudo o que ela representa, iniciei a leitura deste livro repleto de expectativas. Assim como no clássico “O perfume” de Patrick Süskind, pude sentir toda a gama sinestésica: o aroma das ruas, a pulsação da turba, desejos, sons e cores, descrições precisas às quais imergimos. Uma aula de escrita de um texto descritivo por excelência.
Há tempos aguardo a leitura de O físico (Rocco, 592 páginas) de Noah Gordon, especialista (ou deveria dizer “mágico”) dos romances históricos. A história medieval sempre me encantou, mas como seria a vida de um médico nessa época?
Antes preciso fazer um parêntese quanto à primeira tradução do título que em inglês é The physician e ficou “O físico”, quando na verdade deveria ser “O médico”. Sabe-se lá por que cargas d’água resolveram traduzir dessa forma, mas acabou ficando conhecido no Brasil com esse título.
Polêmicas à parte, este livro é para se ler chorando. Como seria exercer a cura no Século XI? Em plena Idade das Trevas a Igreja detinha o monopólio do saber e contrariá-la poderia ser um caminho sem volta. Para se ter uma ideia não se poderia abrir o corpo humano para estudar (contra as leis divinas), era preciso abrir um porco e acreditar que o mesmo era idêntico a um corpo humano.
“Pessoas dignas de crédito dizem que o Anno Domini 1021, o ano da oitava gravidez de Agnes Cole, pertenceu a Satã. Foi um ano marcado por calamidades para o povo e monstruosidades da natureza. No outono, anterior, as colheitas nos campos foram queimadas pelas geadas intensas que congelaram os rios. Choveu como nunca antes, e com o descongelamento rápido o Tâmisa encheu e arrastou na sua corrente pontes e casas. Estrelas caíram, riscando de luz o céu ventoso de inverno, e foi visto um cometa. Em fevereiro a terra tremeu. Um relâmpago atingiu a cabeça de um crucifixo e os homens murmuraram que Cristo e seus santos estavam dormindo. Contavam que durante três dias jorrara sangue de uma fonte, e viajantes diziam que o demônio tinha aparecido em bosques e em lugares secretos.”
O início do livro é avassalador. De cara somos apresentados à criança Robert Cole, personagem principal perfeitamente construído e caracterizado. Ele cuida dos irmãos mais novos e por uma trapaça do destino se vê órfão. Cada um de seus irmãos é dado à adoção e ele, por último e quase sem esperanças, é adotado por um barbeiro-cirurgião, profissional que aprendia o ofício na prática, efetuando pequenas cirurgias, amputações, sangrias (sem anestesia, pois ela ainda não existia), além de vender remédios que mais pareciam poções mágicas (puro charlatanismo, porque era dessa forma que ganhavam dinheiro). Torna-se seu aprendiz.
“Tome carne de carneiro. Retire toda a gordura e corte em pedaços grandes, empilhando os pedaços cortados sobre e em volta de uma boa quantidade de sementes de meimendro negro torradas. Coloque numa vasilha de barro sob uma pilha de esterco de cavalo até aparecerem os vermes. Coloque então os vermes num vidro até ficarem secos. Uso: tome duas partes desses vermes e uma parte de ópio em pó e instile no nariz do paciente.”
Seria hilário se não fosse trágico e tremendamente triste. Com um suposto anestésico como esse a morte seria muito bem vinda. Logicamente que a Igreja não via com bons olhos esta prática, pois só a religião poderia oferecer alívio para o sofrimento, todo o resto era coisa do demônio, bruxaria, pecado.
Robert cresce ao lado do barbeiro-cirurgião, Barber, e aprende com ele tudo o que é preciso para sobreviver sem ser considerado um herege e sem chamar a atenção da Igreja, pois isso poderia significar a pena de morte. Passa a ajudar nas consultas e é a partir daí que sente o desejo de amenizar o sofrimento das pessoas. O grande problema é que Robert possui um “dom”, ele pode sentir a morte chegando apenas tocando o paciente.
“Rob segurou a mão do tropeiro. O homem parecia um saco de areia com um buraco na parte de baixo; ele sentiu a vida se esvaindo. Agachado ao lado do tropeiro, segurou a mão dele até não sobrar areia no saco, e a alma de Vitus, com um farfalhar áspero de folha seca, simplesmente foi soprada para longe.”
Isso quase o faz desistir da profissão, ele acredita ter sido tocado pelo demônio. O obscurantismo da Idade Média, influência dos religiosos, tinha como objetivo privar o povo de todo e qualquer conhecimento, assim ficaria mais fácil de manobrar. A ignorância é o grande mal do período, sendo que o povo passa a enxergar demônios em tudo que não se explica.
Com o tempo, Robert volta a atuar junto a quem o acolheu. Até que um dia entra em sua barraca alguém que não consegue enxergar. O barbeiro-cirurgião Barber diz a Robert que o mal que aflige o paciente está além de seu conhecimento. Porém, ao sair de sua barraca o paciente é detido por alguém que lhe oferece ajuda, diz que pode curá-lo. E tudo muda na vida de Robert Cole.
site:
Leia mais em: http://www.lerparadivertir.com/2018/12/o-fisico-noah-gordon.html?fbclid=IwAR04Id9RaCgYTdW_fI0VQHx9yfZ34bTzcFqc45N7ZkfFzZ1RW7SLfuxzgfo