gabriel 08/06/2021
Excelente e melancólico livro
Achei um livro bastante intrigante, mas muito bom. O protagonista é um "esquisitão" muito parecido com o protagonista de outro livro, o "A Náusea" do Sartre, mas aqui ele parece refletir menos sobre isso e aceitar mais a sua condição. É um livro marcado por um conformismo muito pronunciado, com o qual nos identificamos muito rapidamente.
São passagens muito bem escritas, algumas são bastante poéticas (ainda que erráticas), seria fácil abrir qualquer página deste livro e extrair algumas ótimas citações e frases, mesmo fora de contexto. É um livro cheio de trechos muito bem sacados.
O protagonista (que, acredito, seria "o estrangeiro", ainda que eu não tenha entendido se ele era um francês na Argélia, ou se ele era argelino) é um tipo antissocial, indiferente e absolutamente blasé, o que é mostrado de maneira já imediata na primeira situação do livro (a morte da mãe). Ele parece não ligar muito, o que terá implicações no desenvolvimento do livro. Falar sobre isso seria revelar um importante spoiler, então não cabe aqui.
Mesmo ele sendo um sujeito frio e indiferente, sentimos uma identificação muito forte com ele, o que é um dos trunfos do livro. A maneira como ele narra as coisas é irregular, parece alguém com o pensamento solto, às vezes uma frase não engata na outra, mas isso é proposital e cria um efeito na leitura. Parece alguém meio fora da realidade falando.
É comum o livro focar em sensações, como o calor do sol, as ondas do mar, o contato dele com a namorada, etc, então o livro é sensorialmente uma experiência muito rica. Ao mesmo tempo em que o protagonista é indiferente ao mundo (e aos homens), ele presta muito a atenção em cheiros, cores, o que não deixa de ser um pouco irônico (ou melhor, "ambíguo" acho que seria a palavra).
Adorei o livro, mas é uma experiência um pouco amarga, inclusive li um trecho ontem antes de dormir e acho que isso chegou a perturbar meu sono, o que raramente acontece comigo numa leitura. É, então, um livro muito tenso, é uma leitura fácil e bonita, mas as características do personagem principal e como ele passa a ser tratado tem um ar muito melancólico e um pouco perturbador.
Vale mencionar também como o autor trabalha a questão do sol, da luz e do calor. Estes são quase que personagens a parte no livro, gerando um grande simbolismo e tensão. Em vários momentos o sol forte aparece, ou pontuando os momentos, ou mesmo servindo de motivação. É uma característica que torna a obra ainda mais ambígua e enigmática.
Na verdade, "o estrangeiro" parece se referir mais à condição do personagem (que seria realmente um "estrangeiro" na sua própria existência) do que ao fato de ele ser de algum país, então acredito que tenha mais este sentido mesmo. Chutaria aí talvez alguma crítica à colonização francesa também (os árabes aparecem em vários momentos, ora como vítimas, ora como "ameaças"), mas isso não fica exatamente claro.
Enfim, um ótimo livro, muito difícil de o compreender num primeiro momento, amargo, melancólico, com várias faces e muito bem escrito. Recomendo-o fortemente.