Érika 20/01/2022Solidão e paciênciaEsta foi uma semana de bastante leitura. Anteontem terminei “Cartas a um jovem poeta”, do escritor e poeta austríaco Rainer Maria Rilke. É um volume de menos de cem páginas contendo dez cartas escritas por Rilke entre 1902 e 1908 ao poeta aspirante Franz Kappus. Kappus era um rapaz que estudava na mesma academia militar em que Rilke outrora estudara e, quando descobriu isso, resolveu entrar em contato com o poeta mais velho, àquela altura já reconhecido. Sua carta foi recebida com amabilidade e eles mantiveram uma correspondência esporádica, da qual Kappus compilou essas dez cartas e as publicou em 1929, três anos após a morte de Rilke.
O livro ficou famoso, não só pela apreciação da obra ficcional de Rilke, mas também porque as reflexões que ele desenvolve nas cartas endereçadas ao poeta-discípulo são amplas e abrangentes, com um cunho filosófico que torna os conselhos ali dados aplicáveis a áreas da vida que até ultrapassam a poesia, a literatura ou a arte.
O tom das cartas é uma mistura estranha de intimidade casual e de uma solenidade quase mística que remete o leitor não só ao resto da obra de Rilke como até à atmosfera da intelectualidade da época em que elas foram escritas, o comecinho do século XX. O conteúdo se entrelaça fortemente no tom e, em parte, se apoia nele. É como se o autor quisesse dar conselhos, porém não diretamente, preferindo apresentar quadros cósmicos para o jovem poeta contemplar e tirar conclusões por si mesmo a partir dali.
Fala-se principalmente sobre a poesia, a arte e a vida. Também se fala sobre o amor, em vários sentidos, a paciência, e principalmente sobre a solidão. A solidão é um conceito fundamental para Rilke, que não pensa que ela deva ser evitada ou rejeitada, pelo contrário: deve ser buscada. Uma solidão que talvez pudesse ser melhor denominada como “solitude” ou “introspecção”, já que o fim dela é que o leitor se conheça melhor. Em si mesmo, na concepção do autor, ele achará todas as respostas de que precisa para orientar sua vida.
Qualquer que sejam essas respostas, no entender de Rilke, seu interlocutor deve buscar a integridade de seu ser: caso viva para a literatura ou para a arte — que, conforme ele diz ao final, é apenas uma das manifestações da vida —, deve fazê-lo com todo o seu ser e em todos os momentos da sua vida, dedicar-se a tal propósito. São essa consciência de si e essa integridade que darão à pessoa capacidade de viver tudo como deve: de viver, de interagir, de criar, de amar.
Apesar de singelo, o livro é forte e interessante. Não é uma obra para uma leitura só: é preciso muita meditação para compreender a amplitude e a aplicabilidade de tudo o que Rilke diz ali. Mas mesmo da primeira leitura já se colhe bastante – principalmente uma sensação de que o autor te diz “Calma!”, algo que muitos precisamos ouvir no ritmo frenético de hoje em dia. Dentre os muitos trechos dignos de destaque, selecionei alguns para o post (vide fotos). Meu favorito é o trecho sobre a paciência. E, apesar de o livro ser valioso para qualquer um, penso que quem realmente se dedica à literatura ou à arte ou deseja fazê-lo, como o jovem poeta, colherá um proveito especial da leitura.