Evy 02/11/2011DESAFIO LITERÁRIO 2011 - Tema: Nobel de Literatura / Mês: Outubro (Livro 2)Seria muito difícil dar menos de cinco estrelas para esta obra de Saramago. Este autor é realmente genial e fico feliz de ter tido a oportunidade de conhecê-lo através de Ensaio sobre a Cegueira e hoje me encantar com cada um de seus livros, pois pretendo ler todos! Tive o primeiro contato com o título Memorial do Convento com uma amiga que compartilha a mesma paixão pela leitura e que me recomendou muito o livro. Alguns anos se passaram e finalmente pude ler essa história fascinante.
A obra está dividida em duas histórias que vão sendo brilhantemente apresentadas de forma paralela. Uma conta a história de Portugal através da construção do Convento de Mafra por D. João V, promessa feita a um padre franciscano para que a rainha engravidasse e lhe desse um herdeiro; e a outra narra a história de amor entre Baltazar sete-luas e Blimunda sete-sóis, envolvidos na construção de uma “máquina de fazer voar” projetada pelo Padre Bartolomeu Dias.
A narrativa de Saramago é muito envolvente e acredito que grande parte desse sucesso tenha se dado pelo fato de ele utilizar a ficção e o fantástico misturados aos fatos históricos reais da época, como os Autos de Fé, as procissões de penitentes e a própria construção do Convento de Mafra envolvendo o sacrifício da população pobre e fazendo muitas vítimas no carregamento da grande pedra para o pórtico. Nos primeiros capítulos senti bastante a irônia de Saramago ao narrar os hábitos da realeza e a intenção de desvendar o poder exercido pela igreja sobre o povo oprimido. Já quando começa a narrar a história de amor entre Blimunda e Baltazar, notei a mudança para um plano fantástico de sonho e fantasia.
É encantadora a forma como Saramago construiu maravilhosamente esses dois personagens. Blimunda tem poderes especiais e em jejum, consegue ver as pessoas por dentro e se torna, desta forma, a responsável por captar as vontades das pessoas que são recolhidas e servem de combustível para a Passarola. Baltazar fora soldado, e na guerra, perdeu a mão esquerda. É mandado embora do exército por não ter mais serventia. Sonha frequentemente que ainda tem sua mão esquerda, mas é forte e destemido. Blimunda e Baltazar se apaixonam e a história dos dois é muito bonita. Destaco um trecho do texto:
"Baltazar Mateus, o Sete-Sóis, está calado, apenas olha fixamente Blimunda, e de cada vez que ela o olha a ele sente um aperto na boca do estômago, porque olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul, que com a luz de fora variam ou o pensamento de dentro, e às vezes tornam-se negros noturnos ou brancos brilhantes como lascado carvão de pedra".
No início da leitura nem imaginava que a história iria focar este casal, pois inicialmente o foco era o casal Real e a construção de Mafra, mas adorei a relação entre Baltasar e Blimunda. O amor dos dois que fica claro desde o início e que está fora de todos os códigos e regras sociais da época, tornando-se símbolo da transgressão e alcançando uma perfeição inimaginável em nosso mundo.
Este livro é fantástico e percorre um período de quase 30 anos na história de Portugal na época da Inquisição. O Pe. Bartolomeu é perseguido, inclusive, pela idealização da “máquina de voar” e acaba tendo que fugir para Toledo, onde morre tempos depois. Todo o cenário é ricamente descrito por Saramago que além de contar os fatos históricos, reconstitui a vivência popular e cultura das regiões. Para quem não está acostumado com a narrativa sem parágrafos e pontuações de Saramago, pode ser uma leitura cansativa, mas que ainda assim, vale muito a pena.
Leitura super recomendada!