Suemi.Oliveira 03/02/2018Minha Vida com Boris - Alegria de LeitoraEm uma narrativa autobiográfica, Thays revela a súbita perda de visão oriunda da caxumba, ainda na infância. Porém, na década de 1970 os recursos eram escassos. A demora de sete anos em descobrir a origem da deficiência revelou-se mínima em comparação à dificuldade de encontrar uma escola que se adaptasse às suas necessidades especiais de aprendizagem, por exemplo.
Por ter consciência de suas limitações, o sonho da autora sempre foi encontrar um modo que lhe permitisse viver com independência; vontade que despertou com ainda mais intensidade na adolescência, ao constatar dia após dia a incômoda dependência de terceiros para realizar as tarefas cotidianas. Ela narra como foi frustrante a tentativa de aprender a andar com a bengala e o quanto essa tarefa ressaltou as suas restrições.
Mas Thays não é o tipo de mulher que desiste fácil. Ela entrou na faculdade de Direito, foi aprovada no concurso para escrevente do extinto Tribunal de Alçada Civil e ainda nessa época, tomou uma decisão importante: era hora de ter o seu cão-guia.
A saga começou em 1997. O primeiro foi Otelo, um labrador preto. Ocorre que a Polícia Militar, responsável pelo treinamento do cachorro, ainda não dispunha do conhecimento necessário para arcar com tamanha responsabilidade, apesar do engajamento dos policiais. E por outras razões, Thays precisou desfazer o seu vínculo com Otelo e, mesmo com o coração partido, entregou-o a uma colega de trabalho, que dispunha de boas condições para criá-lo.
O desejo de ter um cão-guia não se apagou no coração de Thays. Ao encontrar a Leader Dogs for The Blind, em 1999, e ser aprovada na demorada seleção de candidatos com a ajuda do instrutor brasileiro Moisés Vieira, Thays teve a oportunidade de vivenciar um treinamento profissional entre deficientes e seus cães-guias. Foi durante esse processo, em 2000, que ela conheceu o seu primeiro cão-guia (de fato), ora protagonista de sua obra: Boris.
Quanto a esta parte da história, vou me limitar a dizer que só quem lê-la será capaz de compreender, ou mais do que isso, sentir o vínculo entre ambos. Boris não apenas se tornou o seu cão-guia, mas também o seu melhor amigo. Aquele que compreendia as suas necessidades e se preocupava em atendê-las indo muito além do que um cão "comum" conseguiria fazer.
Foi Boris quem esteve presente na luta aparentemente infindável entre Thays e a justiça brasileira. Cão-guia no metrô? Nem pensar. Cão-guia no metrô com autorização judicial? Também não. Cão-guia no shopping? Aonde já se viu? Cão-guia autorizado a transitar pelas dependências públicas? Aquele mesmo cão-guia que saiu na mídia e se tornou o xodó dos repórteres? Não, nem pensar.
Thays traça um paralelo ultrajante e vergonhoso entre as conquistas pelos seus direitos, que contribuíram para que muitas portas fossem abertas aos deficientes e à ignorância humana. Aquelas mesmas pessoas que deveriam comemorar suas vitórias e respeitar os avanços feitos por decisões judiciais e edições legislativas revelaram-se obstáculos muito maiores do que os que Boris fora treinado para evitar.
Concomitantemente, ela encaixa os seus progressos pessoais na histórias. A vaga conquistada no Banco Real, a realização de ir morar sozinha (leia-se: com Boris), a conclusão do curso de MBA, a sua dedicação à Fundação Iris, entre outros.
A última fase, particularmente, acompanha o ponto mais tocante do livro: a aposentadoria de Boris, no ano de 2008, seguida por uma nova viagem aos Estados Unidos, também em companhia da Leader Dogs for The Blind. A viagem que lhe trouxe Diesel, seu mais novo cão-guia.
A aposentadoria de Boris e a chegada de Diesel colocaram os sentimentos da autora em constante conflito. De comportamentos e naturezas completamente opostas, Thays se flagrava pensando que Boris jamais poderia ser substituído. E ela estava certa.
Só posso dizer que tanto a obra quanto a autora ganharam o meu coração, minha admiração e algumas lágrimas também.
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