Paulo Sousa 05/05/2020
O filho de mil homens, de VHM
Leitura 23/2020
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O filho de mil homens [2015]
Valter Hugo Mãe (Portugal, 1972-)
Biblioteca Azul, 2016, 224 p.
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?Todos nascemos filhos de mil pais e de mais mil mães, e a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo, para que nós pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo? (Posição no Kindle 2191).
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Em ?O Filho de Mil Homens?, conhecemos o pescador Crisóstomo, que sonha em se tornar pai. O pescador, que tem quase quarenta anos e é solteiro, sai à procura de um filho que acredita estar em algum lugar do mundo e ainda não foi encontrado. A empatia com o personagem de Crisóstomo é inevitável, e desde o início nos envolvemos com o seu drama. Para sua felicidade, ele conhece Camilo, um adolescente órfão que fica emocionado ao conhecer Crisóstomo, feliz pela possibilidade de ter um pai.
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Crisóstomo preenche o vazio de seu coração, e sente que está quase completo - só lhe falta o amor de uma mulher. E é a partir daí que a história se divide em vários capítulos e personagens, todos com seus dramas, suas histórias, seus medos e suas dores. O ambiente também é o mesmo, a pequena vila de pescadores onde a vida parece dar voltar e gerar fortes vínculos entre os personagens de VHM.
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O livro, ao qual Saramago se referiu como ?tsunami linguístico?, é deveras bonito, frases melodiosas, fortes, que vão emanando um não sei quê, uma densa camada de musicalidade a que o leitor precisa a todo tempo parar para respirar. Uma forma própria de lidar com poesia prosaica (sugiro ler o livro em voz alta!).
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Mas, nem sempre a poesia narra o lado belo das cousas. Se por um lado Valter Hugo Mãe pinta um retrato poético da vida através da linguagem, em outros a expõe com todo o seu realismo através do sofrimento de suas personagens. Dentre os vários protagonistas dessa dura realidade conhecemos uma anã estuprada por quase todos os moradores de um pequeno povoado, um homossexual discriminado até mesmo pela própria mãe, uma mulher rejeitada pelo namorado assim que se envolve sexualmente com ele e uma mãe que acorda com um sotaque estrangeiro sem nenhum motivo aparente.
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Todos estes personagens enfrentam seus dramas pessoais e sofrem com a falta de aceitação social, e ao longo da leitura percebemos como as histórias estão conectadas. É quando o autor nos leva a pensar sobre a hipocrisia e o falso moralismo da sociedade, a falta de empatia com as diferenças e a forma cruel com que muitas pessoas são julgadas simplesmente por não se enquadrarem nos padrões tradicionais. Um livro completo, pode-se dizer, assim como a completude buscada pelo gajo Crisóstomo!