Teorema Espectral 19/07/2021
Bonito, mas não é filosofia
Sendo sincero, o livro me agradou bem mais do que eu esperava. Depois de ler O Anticristo eu julgava que qualquer experiência de ler Nietzsche ia ser só pelo meme. E de fato, como filósofo, Nietzsche não tem nada demais, no sentido mais conservador da palavra.
Entretanto, é impossível não admitir que Nietzsche foi um escritor excepcional. Os parágrafos são escritos numa harmonia que não perde em nada para os grandes literários europeus. Imagino como deve ser a experiência em alemão!
Falando do livro em si, ele é uma paródia do evangelho. O que eu acho sensacional. Você pega a figura do messias que tem uma grande sabedoria e precisa falar a seu povo através de parábolas, mas com os ensinamentos contrários aos de Jesus: Uma proposta ousada, mas na minha concepção, a maestria do Nietzsche escrevendo torna a leitura tão cativante quanto ler um sermão da montanha.
No entanto, existem dois problemas no livro. O primeiro é o tamanho dele. Ele se estende muito, muito, MUITO além do que precisava. Não é que seja estritamente a mesma coisa, mas com o tempo a narrativa se torna bastante monótona. Acredito que seja uma leitura mais agradável de se ler de pouquinho em pouquinho todo dia, como a bíblia mesmo. Infelizmente não é muito meu forte, e fui devorando tudo de uma vez. Fica arrastado.
O segundo problema é um problema conceitual: É uma obra linda de tratar como literatura, mas péssima para tratar como filosofia. Filosofia não é afirmar algo que soe verdade. Isso é papel da literatura. Da poesia. Talvez da teologia. Mas a filosofia tem uma responsabilidade argumentativa. Você não joga uma tese se não tiver disposto a dissecar o argumento de maneira sincera. E é isso que Zaratustra faz durante todo o livro.
Isso faz com que todo o ensinamento de Zaratustra seja, na verdade, pautado em nada. É só uma coleção de afirmações ditas com muita convicção. Quando ele diz que Deus está morto ele não parte pra uma análise epistemológica ou vai refutar os argumentos dos filósofos pra existência de Deus. Ele diz que Deus está morto porque ele se sente assim. É bonito, mas tem pouco valor filosófico.
É possível argumentar que essa é a mesma abordagem de Jesus. Entretanto Jesus não tava fazendo filosofia. A argumentação dele era mais ou menos a seguinte:
"Olha, galera, eu tenho o WhatsApp de Deus, aqui ó, água em vinho, andando no mar, ressuscitando dos mortos, agora me escutem"
Ou seja, ele se justificava por meio dos milagres. Nietzsche não tem os milagres de Jesus nem os argumentos de um filósofo. O que sobra pra Zaratustra é um folclore de Super Homem enunciado com boa retórica.