Incidente em Antares

Incidente em Antares Erico Verissimo




Resenhas - Incidente Em Antares


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Diego 27/08/2020

Uma obra prima sobre o atraso brasileiro
Achei que "Incidente em Antares" era um livro bom. Engano meu. É uma obra prima. É um dos melhores livros da nossa literatura.

O texto traz a história insólita de sete cadáveres que se erguem de seus caixões e marcham para o coreto da praça principal da cidadezinha gaúcha de Antares -- porque não haviam sido enterrados. Depois de uma greve que paralisou todos os assalariados da cidade, nem os coveiros estavam fazendo o seu trabalho; daí a crise que gerou "o incidente": indignados de não estarem devidamente sepultos, os sete mortos ameaçam contar todos os podres das altas autoridades de Antares se essas não acabarem com a greve...

A premissa genial de Erico Verisimo permite diversas interpretações. A questão dos mortos estarem assombrando os vivos (de que nosso passado não nos deixa). Os próprios personagens são alegorias daquela época (e história se passa em 1963), como Quitéria Campolargo e Tibério Vacariano, dois oligarcas. Ela, a velha Quita, será um dos defuntos desafiadores da ordem em Antares. Também entre os mortos estão um advogado corrupto, um sapateiro anarquista, um músico, uma prostituta, um pobre alcoólatra e um "subversivo" que morreu torturado num interrogatório policial.

No começo do livro, Verissimo faz um resumo histórico da cidade de Antares onde obviamente se percebe uma alusão ao Rio Grande do Sul e ao próprio Brasil. A história da cidade é marcada por coronéis autoritários e bandidos (contrabandistas, assassinos) que são tidos como exemplos morais em seus feudos particulares. As famílias rivais Vacarianos e Campolargos representam justamente essa História feita de cobiça e sangue. Detalhe até para os nomes que "brincam" com a questão do latifúndio: campo + largo, vacariano... A história do Rio Grande do Sul está toda neste livro, seja com nomes ficcionais ou nomes reais. E por tabela, parte importante da história do Brasil.

A hipocrisia é sempre uma constante no livro. As mais sórdidas relações humanas são sempre revestidas pela cortina mentirosa dos bons costumes. E é justamente essa camada de mentiras e hipocrisia que os sete defuntos quebram, deixando toda a cidadezinha moralmente de joelhos.

Genial e atemporal para explicar o atraso do autoritarismo e conservadorismo tacanho brasileiro, Incidente em Antares é obrigatório. Uma leitura ao mesmo tempo divertida, política, provocadora e brasileira. Parece até que Erico Verissimo e seu realismo mágico aqui, junta-se com Gabriel García Márquez, sem exagero, pois as representações simbólicas que aludem ao atraso, despotismo e hipocrisia conservadora são notórios nesses grandes escritores latino-americanos.
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Djúlio 16/12/2021

Uma crítica ao Brasil em tom de divertimento
Mais um livro da literatura brasileira que me encanta! Nunca tinha lido nenhuma obra de Verissimo, apesar de saber de sua importância. Realizar a leitura durante o período Bolsonaro tem um certo valor, pois é possível comparar muito da mentalidade da época em que ocorre o Incidente com os dias atuais. Sendo de uma cidade interiorana e com muitos aspectos similares a Antares, também me fez conectar melhor com a obra. Os típicos personagens e suas respectivas personalidades, muito se assemelham ao cotidiano de uma cidadezinha no interior do Brasil e a forma como isso é construído é genial, pois o autor consegue deixar suas críticas num tom de sátira. É um livro com muitas informações políticas, mas para quem se interessa, a leitura flui fácil e há sempre um anseio para desvendar o que vem logo em seguida. O ressuscitar dos mortos me trouxe boas reflexões daquilo que se compreende como ser humano e suas humanidades. Ótimo, ótimo!
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T.N.T.Rock 13/03/2024

Assombrado com à atualidade da obra.
Em princípio, uma viagem sobre a história do Brasil, fatos históricos como A Guerra dos farrapos, Império, Era Vargas, JK etc, vão sendo retratados tendo a pequena cidade de Antares como centro de disputas políticas, evoluindo de um coronelismo tradicional para o moderno.
A caminhada para o Incidente que dá título a obra parece acontecer a passos curtos, mas é nesse trajeto que vamos conhecer cada aspecto e personagens notáveis da cidade. Quando o fatídico dia em uma sexta-feira 13 de dezembro de 1963, os 7 mortos se levanta de seus caixões, vamos compreender quando eles assombram e apontam a hipocrisia e sujeira que Antares vive.
Os mortos vivos de Antares não vão nos assustar, mas vamos ficar aterrorizados com à atualidade do texto da obra, temas como: conspiracionismo, negacionismo, alienação midiática, conservadorismo, violência política e policial, etc seguem a mesma dinâmica dos nossos dias.
Finalmente, fico bastante surpreso dessa obra ter sido lançada em pleno regime militar, mesmo Veríssimo não tendo poupado críticas a violência do estado bem como a outras esferas sociais. Incidente em Antares apesar de momentos espinhosos, é uma leitura muito divertida e agradável, sem dúvidas, um dos maiores clássicos da nossa literatura.
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rhuancsl 22/01/2022minha estante
sabia que iria gostar hihi




Ka Castoldi 30/04/2009

Passei excelentes momentos com esse livro! Érico veríssimo é sempre genial em seus livros. E "Incidente em Antares" é a exuberancia de todos os ingredientes que existem em suas obras: comédia, politicidade(?), tragédia, e aquele inegável amor ao solo gaúcho. Eterno e inigualável.
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Felipe 20/08/2020

É até difícil falar desse livro de tão incrível e bem escrito que eu achei ele.
Mas bom, é um livro simplesmente onde tudo se encaixa. Coisas que foram se desenrolando ao longo da trama, sendo elas negativas ou positivas (a maioria negativas), voltam com tudo quando acontece o fatídico incidente em Antares. Cidade a qual acontece o mesmo, é muito conservadora por parte de seus moradores, mas que também não deixa de se desenvolver com relação a isso por conta das novas gerações que foram surgindo, com um novo olhar tanto pro âmbito político, que é algo que permeia muito a história toda, como pelo social, onde o caráter das pessoas da cidade vai se revelando aos poucos, tudo correlacionado com o tão marcante acontecimento.
O livro se passa em dois momentos, a Antares antes e depois do incidente. O primeiro momento narrado, trás todo um viés de desenvolvimento da cidade e sobretudo um viés político, que perduraria, porém com os dias contados, até o momento em que se encerra a trama. Ainda nesse ponto, temos na pequena cidade desde de muito tempo, um coronel, patriarca da futura família dos Vacarianos, que comanda a região que está situada a Antares, antes mesmo dela virar uma cidade independente, e receber o atual nome, tirado de uma estrela, mas onde muitos acham que é devido ao território onde se encontra a cidade, ter tido muitas antas. Até que chega na cidade os Campolargo, família que disputaria por décadas o comando da cidade contra os Vacarianos, que em consequência dessa disputa, muitas vidas inocentes foram tiradas sem um justo motivo, a não ser o motivo político de comandar a pequena cidade de Antares.
Ambas as famílias, ao longo dessas décadas, tiveram relações muito próximas com os governadores e até futuros que viriam a ser tornarem presidentes dos ?Estados Unidos do Brasil?, como era chamado o país nas décadas passadas, até a constituição do Brasil ser criada. E em decorrência desse contato muito próximo, os patriarcas dessas duas famílias, em contato com o ilustre Getúlio Vargas, mais conhecido pela era política do Brasil, a qual recebeu seu nome, a ?Era Vargas?, fizeram um acordo de pacificação da qual a grande disputa entre as duas famílias, que já era insustentável para a cidade por conta de seus escândalos, teve um fim que consistente ou não, perdurou até as gerações que tiveram grande parte do papel importante para a história do livro.
Por parte dos Vacarianos, temos Tibério Vacariano, um personagem com muitas camadas e extremamente bem desenvolvido, apesar de ter sido em certo ponto detestável por diversas atitudes tomadas, e além disso, seguindo toda a história da família, era extremamente ambicioso e muito político em tudo que fazia. Por outro lado, os Campolargo, como último patriarca homem da família tinha Zózimo Campolargo, talvez um dos personagens que mais gostei. Ele era bastante alheio a tudo relacionado a política e demais coisas relacionadas a isso, e só queria viver de uma forma que não precisasse se se preocupar tão afincadamente a isso. Também foi um personagem muito bem desenvolvido, e com muitas reflexões trazidas por falas do mesmo em conversação com o próprio Tibério.
Não menos importante, e com certeza a minha parte favorita, o incidente que ocorre na cidade é algo pode não ser nada fora do comum, para a nossa atualidade, mas ao mesmo tempo é. Porque em nenhum momento o autor deixa claro que forma tal acontecimento poderia ter ocorrido, e é um questionamento muito colocado em perguntas que os personagens se fazem um para o outro, e com isso penso eu, que foi algo deixado subentendido, talvez para nós mesmos leitores, pensarmos nas possibilidades de como tal coisa pôde acontecer. O incidente é muito categorizado como um delírio coletivo, o que mais pra frente vai ser usado pelo atual e até mesmo pelo futuro governo da cidade, como uma forma de manipulação, já que é possível notar que o mesmo ocorreu muito próximo do início de uma das mais difíceis fazes enfrentadas pelo Brasil, a ditadura militar, que teve início em 1964, procedendo o incidente que ocorreu em 1963. Ainda sobre a ocorrência, realmente fica difícil dizer se realmente aconteceu, pois após tirar uma foto do ocorrido, o fotógrafo ambulante da cidade se depara com uma fotografia sem nada, apenas com o cenário de tudo. Então faz a gente pensar, porque devido a tal situação, não deveria ser possível fotografar os envolvidos do incidente?
O incidente trás ainda outro ponto crucial pra narrativa, que eu considero uma completa lavação de roupa suja, pois é nesse momento que tudo de ruim, seja corrupção, extravio de dinheiro, abuso de poder, adultério e entre outros, é exposto a todos os presentes. E quando ouvido os próprios atos ilícitos, os personagens não deixam de se preocupar com tudo que está sendo dito, como tudo terá de alguma forma, consequências. Porém não por completo.
Enfim, é um livro com várias camadas, difícil enxergar todas elas, um livro muito impactante, que trás suas personagens como seres humanos reais, que podem ser tão podres por dentro como podem ser bons. Sem dúvida em questão de representação humana, esse foi um dos mais fiel, pra tal coisa, e chega a ser inacreditável o quão bem o autor descreve tudo que se passa na cabeça e o que torna-se atitude das personagens. O mais incrível é como termina tudo, a última página da história. Da até certa agonia, pois apesar de ser um livro ficcional, retrata tão bem a realidade que é até certo ponto muito angustiante ler o livro como uma ficção, embora seja a realidade do próprio país onde moramos. Um livro bastante necessário, e mais atual do que nunca, principalmente no atual cenário da qual temos vivido ultimamente. Recomendo muito, pra todo mundo a leitura.
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Rafaela 16/08/2020

"[...] depois dessas transfusões todas, quando o sangue que me corre nas veias não é mais o meu velho sangue, mas o de centenas de doadores... acho que muitas outras pessoas, que nunca vi, estão falando agora pela minha boca..." (p. 104)

"A progressão social repousa essencialmente sobre a morte. Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos." (P. 312)

"[...] se por um lado o homem jamais se habitua à idéia da própria morte, por outro aceita sempre, e com admirável facilidade, a morte alheia." (P. 327)
Alê | @alexandrejjr 25/08/2020minha estante
Destacasse trechos incríveis, Rafaela! Que livro maravilhoso, chê!




Ana 11/10/2020

Favoritos
Esse livro vai entrar para os meus favoritos. Recomendo ardentemente. Ele é engraçado, triste, sério, inteligente e muito real. Ele é feito de Brasil mesmo. Gostei muito da história, a parte fantástica não deixa a desejar. Um livro com defuntos que se levantam, intrigas, traições, fofocas e política, só podia ser maravilhoso. Leiam!
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Daniel 18/06/2012

Uma história que assume muito bem o papel de criticar a podridão da elite que comandava o poder político na primeira metade do século passado. Uma metáfora que continua atual.
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otxjunior 01/10/2012

Incidente em Antares, Érico Veríssimo
Nunca parei para conferir essa moda de protagonizar romances com vampiros, lobisomens, zumbis, monstros marinhos, anjos, demônios e outros seres extraordinários, que parecem dominar qualquer lista de livros juvenis atualmente. Então, foi com surpresa que descobri que o incidente em Antares é provocado por mortos-vivos, que insatisfeitos por não terem sido sepultados, resolvem acertar as contas com os vivos, habitantes deste vilarejo fronteiriço do Rio Grande do Sul.
A primeira parte do livro faz um panorama político da História do Brasil, do período de pré-emancipação até o golpe militar de 1964. Apreendemos os fatos históricos à luz do microuniverso de Antares, do ponto de vista de seus personagens conservadores, liberais, comunistas, fascistas ou estrategicamente indefinidos. Depois do leitor estar familiarizado com o ambiente, surge o incidente do título, onde todos os principais personagens são desconstruídos, as sutilezas são expostas, os segredos são revelados e as máscaras caem.
Com bastante humor (sobretudo, negro), Érico Veríssimo faz uma crítica à sociedade conservadora dominante e à política do coronelismo, representada aqui pela figura comicamente absurda do Coronel Tibério Vacariano. E se esse conto de zumbis em algum momento me assustou, foi por, em pleno século XXI, ter encontrado nessa sátira política algum reflexo em acontecimentos recentes em nosso País!
Arsenio Meira 04/10/2013minha estante
Excelente, Osman. Érico nunca datou. Um dos autores clássicos da nossa literatura. É dignificante e um prazer ler o Érico Verissimo.

E o 'Incidente em Antares' é tão atual quanto (aqui fazendo uma analogia com a realidade) o brutal (des)governo da Rússia, local onde os atuais Czares cospem nas pessoas sem cerimônia alguma. É triste ver "os incidentes" constantes no berço do genial e inesquecível Fiódor Dostoievski...




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Jessé 19/12/2021

Vale a pena ler de novo ?
Ótimo livro,ótima leitura, com muitos detalhes e muito conteúdo...

"Trata-se de um livro que desperta o riso. Não o riso fácil e impostado da falsa euforia, do esquecimento, da alienação, mas o riso - às vezes apenas sorriso - da ironia capaz de perceber, por trás das verdades de fachada, impostas por poderosos de má-fé, a verdade do medo em que eles vivem e a fragilidade de suas imposições. "
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@shaneingrado 30/10/2020

Uma obra de arte
King era meu autor favorito. Daí eu li Érico Veríssimo.
Que obra incrível meus amigos, repleta de ironias e críticas a sociedade burguesa. Mas tudo feito de uma forma tão genial, que mesmo deixando sua crítica explícita e em alguns pontos dizendo qual a intenção da obra, ainda assim foi publicado em meio a censura da ditadura militar.
Quem é gaúcho vai indentificar bem a sociedade interiorana, e quem não é vai aprender muito sobre a nossa cultura.
Mas aviso que a obra é lenta e fala muito sobre política e sobre a história do Brasil. O que pode tornar a leitura maçante para alguns. Mas a escrita do Érico Veríssimo é tão maravilhosa que as páginas voam.
Leitura extremamente necessária, principalmente na época em que vivemos. As vezes olhando para o passado podemos compreender o presente!
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João Moreno 25/09/2020

'Incidente em Antares' ou 'Brasil: uma biografia'?

Sou viciado em redes sociais. Para regular o vício, condicionei o acesso à essa bosta [Twitter] à leitura de um livro. De ontem (24/9) pra hoje (25/9), li quase duzentas páginas de 'Incidente em Antares', de Érico Veríssimo. Óbvio que, para além da tentativa de voltar ao vício, a qualidade do texto, os capítulos curtos e a quantidade de diálogos ajudaram a regular a velocidade com que conduzi a leitura.

Pensei em escrever um longo texto, mas desisti. Por que é tão difícil falar de 'Antares'? Talvez, porque, antes de literatura, trate-se de História do Brasil. 'Antares' é o pretexto de Veríssimo (1988) para narrar a nossa formação social: do colonialismo, que permitiu a formação dos Coronéis [1] (os quais disputaram, a ferro, fogo, tortura e extermínio, o poder e a sua perpetuação. Neste caso, a perpetuação do poder numa uma pequena cidade) até a naturalização de suas condições [de senhores, donos do mundo!] frente às desigualdades geradas perante a concentração do poder político, econômico e territorial.

Sim, é a tal luta de classes, por mais que queiramos classificá-la como "teoria do século XIX", arcaica, démodé etc. 

"– Mas o seu reino acabou – retorquiu o rapaz. – O senhor é um dos últimos representantes do velho coronelismo no Rio Grande do Sul.
Tibério ficou por um instante pensativo, a fumar, e depois murmurou:
– Pode ser. Mas ainda não morri. E enquanto me restar um pingo de vida ninguém me pisa no poncho. Hei de defender as minhas idéias com as armas que tiver.
– Mas que idéias? – provocou-o o neto.
– Não sejas bobo, menino. As minhas idéias são as minhas propriedades, o meu sossego, a minha vida, este crioulo, as coisas que sempre gostei de fazer e, acima de tudo, a minha liberdade. Não vou entregar nada do que é meu a esses comunistas de merda, declarados ou disfarçados.
– E que me diz da liberdade alheia? E do bem-estar dos outros? – perguntou Martim Francisco.
– Ora, professor, que cada qual cuide da sua vida. Quem for mais capaz e mais macho vence. É a lei do mundo. Sempre foi.
– E por quanto tempo o senhor e os de sua classe imaginam que podem manter os seus privilégios?
– Espero morrer antes da vitória da canalha.
– Mas isso que o senhor chama de canalha – observou Martim Francisco – constitui a maioria do povo brasileiro.
– Haja o que houver – disse o velho, piscando um olho – temos um trunfo escondido.
– O Exército?
– Adivinhou. Você não é tão burro como parece" (VERÍSSIMO, 1988, p. 469-470).

Está tudo em 'Antares':

1) a exclusão do povo dos processos decisórios (notem que são poucos os excluídos com voz, na narrativa. Babilônia, a grande favela, por exemplo, é discutida 'por cima'. (E no Brasil real é diferente?);

"– Decaída? Por que não diz logo puta? – Leva a mão em concha ao ouvido. – Creio que ouvi murmúrios do respeitável público, chocado pelo nome “horrível” que acabo de pronunciar. Quatro letrinhas. P-u-t-a. O meu colega Dr. Mirabeau gaba-se de conhecer os quarenta sinônimos que o imortal Rui Barbosa descobriu para prostituta, mas parece não se impressionar com a prostituição propriamente dita. Claro! Vossa moral é puramente verbal. O delegado Pigarço estará sempre pronto a prender como subversivo todo aquele que escrever com realismo sobre as misérias da nossa Babilônia e outros antros de indigência, mas essas favelas propriamente ditas não preocupam a burguesia. Aquilo sobre que ninguém fala ou escreve não existe. Se um espelho reflete um ato e um fato que consideramos escandaloso, quebramos o espelho e voltamos as costas para o ato e o fato, dando a questão como resolvida. Neste país quase todos os problemas políticos, econômicos e sociais são solucionados no papel. Meu caro Dr. Mirabeau, queira ou não queira Vossa ‘Excelência, vai falar agora a puta Erotildes" (VERÍSSIMO, 1988, p. 362).

2) a hipocrisia das classes conservadoras, mais para Juremir Machado, com seu 'Raízes do Conservadorismo Brasileiro', do que as fanfics (sic) escritas por Roger Scruton ("conservadoras, não! Produtoras!");

"– Todos sabem que o Cêl. Tibério é o presidente de honra dos Legionários da Cruz, cujo lema é Deus, Pátria, Família e Propriedade. Ora, as relações de nosso furibundo pró-homem com Deus são só de cumprimento, de longe, apenas um toque de dedo na aba do chapéu. O velho Vacariano não reza, não vai à missa e nem se confessa, e durante toda a sua gloriosa existência teve incontáveis oportunidades de transgredir os dez mandamentos. Pátria? A flor dos Vacarianos ama tanto a sua, que tem passado a vida a lesar os cofres públicos e a mamar nas tetas desta pobre república. Ah, mas com a família o caso é diferente! O Cel. Tibério preza tanto essa instituição, que em vez de uma mulher tem duas: a legítima, que vive no palacete que vemos ali na esquina, e a ilegítima, instalada numa outra casa e numa outra rua. Agora, acima de Deus, acima da Pátria, acima da Família, o nosso Tibério, imperador de Antares, adora a Propriedade, e é capaz de matar e até de arriscar-se a morrer para defender as suas propriedades, aumentãndo-as à custa da propriedade alheia. Daí o seu sagrado horror a qualquer mudança do presente status quo político, econômico e social que tanto lhe convém." (VERÍSSIMO, 1988, p. 355).

3) a violência das autoridades, as quais existem para garantir a lei, a ordem e a propriedade privada dos meios de (re)produção social!;

“– Na minha opinião esta é a hora certa para o golpe – afirmou Tibério.
Quitéria ergueu os olhos para ele:
– Golpe de quem contra quem?
– Das Forças Armadas, para impedir que o Juscelino e o Jango tomem posse!
– Mas se eles foram eleitos pela maioria do povo e reconhecidos pelo Congresso! Estamos numa democracia, homem de Deus!
– Qual democracia! – replicou o Cel. Vacariano.
– Vivemos numa cafajestocracia, isso é que é. Se dependesse de mim, eu puxava na corrente da descarga para toda essa porcaria ir-se cano abaixo (...)
- Mas vocês não compreenderam ainda – replicou – que se não tomarmos o poder agora estamos perdidos? Quem vai governar mesmo no próximo qüinqüênio é o Jango e o maluco do cunhado dele, o Leonel Brizola. Os dois, mancomunados, continuarão manobrando os sindicatos, encorajando as greves, fazendo passar mais e mais leis favoráveis aos seus eleitores e “pelegos”, aumentando o salário mínimo, em suma, estrangulando cada vez mais as classes produtoras. Vamos acabar no socialismo!” (VERÍSSIMO, 1988, p. 94-95).

4) as hierarquias sociais, que se reproduzem, apesar do discurso meritocrático (escondido, mas presente na forma como os privilégios (positivos e negativos) são repassados às mesmas famílias, geração a geração).

"(...) Faça-se justiça ao nosso truculento Cel. Vacariano, pois ele ostenta com naturalidade e coragem cívica o manto antipático do poder discricionário, que herdou de seus ancestrais, dessa estirpe de bandidos, abigeatários e contrabandistas históricos ..." (VERÍSSIMO, 1988, p. 342).

Se na primeira parte a História do país é romanceada através do desenvolvimento da cidade de Antares e de suas personagens, na segunda tem-se uma retomada, rebuscada, é verdade, dos acontecimentos que precederam a Ditadura Militar, a escrita de Veríssimo (1988) passa pelos porões do DOI-CODE à conivência dos jornais com os acontecimentos (se ninguém notícia, obviamente, o fato não existe, na Opinião Pública, não é mesmo Jornal 'A Verdade'?, rs).

Assim, é interessante perceber a adequação da História e da Memória Coletiva aos interesses dos poderes constituídos: como foi possível esconder a mobilização social por melhores condições de trabalho? Esconder os desvios das elites os quais garantem o status quo? A aparição dos mortos? Os desvios da Lei para garantir a Ordem (excludente, mas é claro)? A democracia não democrática?

Dito isso, e eu disse pouco e mal, o maior problema de 'Antares' é a sua atualidade. Quase 50 anos depois (a obra é de 1971), é possível perceber que, de tão atual, fora os "sete mortos", no parágrafo anterior, não saberia dizer se estava me referindo à Antares ou ao Brasil de 2020. Voltando às comparações entre 'Antares' e o Brasil "redemocratizado" (sic), afinal, quem não conhece, hoje, em 2020, uma favela igual à Babilônia ou um Coronel Vacariano? (No meu estado, virou governador!).

Por fim, gostaria de registrar que ganhei o livro em 2015, um presente de aniversário da grandíssima amiga Luana Alves, hoje jornalista, à época universitária. Foi a 'leitura do ônibus' e da espera em filas de banco enquanto resolvia pepinos referentes a projetos culturais patrocinados via Lei de Incentivo. Talvez, se tivesse lido ainda em 2015, não teria aproveitado tanto. Virou favorito.

site: https://literatureseweb.wordpress.com/2020/09/26/incidente-em-antares-ou-brasil-uma-biografia/
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