@aiinulindale 05/04/2020
O livro necessário.
Está aqui um livro o qual eu tenho minhas dificuldades para resumir. Talvez seja puramente o fato de que ele não se fixou de forma linear em meu cérebro, mas sim em um emaranhado de sentimentos e angústias.
Na trama acompanhamos a história de Robert Neville, o único sobrevivente de uma catástrofe bacteriana que levou ao fim da sociedade humana.
Robert enfrenta inúmeros desafios e dificuldades ao longo da história, e pouco a pouco descobrimos quão fragmentada sua humanidade realmente está. Após perder a mulher e a filha para a contaminação, que transforma as pessoas em um tipo de morto-vivo sedento por sangue, aqui chamado de vampiro, Robert dedica seu tempo a adaptar sua casa para a sobrevivência, prevenindo que os infectados entrem, e, direcionado por instruções recebidas, sabe que há formas de eliminar os vampiros, assim como medidas específicas como alho e crucifixos para os afastar.
"Um homem pode se acostumar a tudo, se não tiver outro jeito"
Ao longo da trama acompanhamos o personagem chegando à conclusões amargas sobre a sociedade, sobre como todos os livros da biblioteca não foram o bastante para salvar a humanidade, ou sobre como todo o conhecimento científico deteriorou-se e deu lugar às velhas superstições, trazendo a tona métodos barbaricos de eliminação, como estacas no coração.
Isso nos traz à uma simples questão: o quanto é necessário expor o homem ao limite para que toda a sua civilidade se esvaia?
A certo ponto Robert questiona se as motivações dos vampiros eram tão ruins a ponto de haver a necessidade de perseguição e eliminação, ele os compara a políticos e fabricantes de bombas contrapondo dois limites de maldade, o direto e o indireto, o cru e o politizado. "Tudo que ele (o vampiro) faz é beber sangue! Então por que condená-lo? Por que ele não pode viver com sua escolha?"
A montanha russa de sentimentos do personagem beira a bipolaridade, onde cada fase de seu amadurecimento pós crise exprime uma nova ideia acerca do que está sendo vivido, tratando os vampiros como vítimas da sociedade, seres que por serem diferentes foram criminalizados e caçados, assim como logo em seguida explodindo em ódio puro e saindo para exterminá-los a sangue frio.
O que a solidão faz com o homem?
Robert após certo tempo desconhece as mecânicas de relações interpessoais, se afasta de sua humanidade, entra em estado quase vegetativo, vivendo seguindo o fluxo dessa nova realidade.
É inevitável não fazer uma comparação com o filme produzido baseado neste livro, e então percebemos o tema distoante entre os dois: enquanto o filme não expõe alguns dos aspectos mais importantes abordados no livro e foca muito mais na ação e nas lutas contra os vampiros, o livro trata da solidão, da mente humana exposta ao extremo, do desespero. Utiliza de personagens como o cachorro que no livro luta e sobrevive sozinho desde o início do apocalipse, porém sucumbe ao contágio quando o personagem (Robert) finalmente quebra a barreira do distanciamento e se deixa apegar ao animal, apenas para perder esse vínculo logo em seguida, o que o quebra mais ainda.
Minha pergunta aqui é: o cachorro era real? ou era simplesmente uma fantasia ilusória que se cristalizou em um fio de esperança do protagonista?
Eu sou a lenda é um livro fluído, porém sem que isso atrapalhe o impacto que suas páginas deixam, trata de temas pesados e mórbidos, e foi difícil de ser lido, principalmente em tempos como estes. A obra te leva para dentro da história fazendo com que você se imagine diversas vezes no lugar do personagem, lidando com situações tão inóspitas e adversas mas que com certeza valem cada sentimento e cada reflexão.
Eu poderia falar sobre tantos aspectos desse livro, tantas camadas e crateras, mas isso provavelmente estragaria a experiência de um novo leitor, e isso eu não faria.
Um livro brilhante, impressionante, que realmente vale o tempo desprendido para a leitura.