Rafa 17/04/2022
O sertão é o mundo
"Lhe falo do serta?o. Do que na?o sei. Um grande serta?o! Na?o sei. Ningue?m ainda na?o sabe. So? umas rari?ssimas pessoas - e so? essas poucas veredas, veredazinhas".
Esse excerto nos explica o ti?tulo. O serta?o e? transfigurac?a?o do mundo, da vida, mescla de interno e externo, travessia, labirinto - espacial, espiritual, temporal. Veredas significa caminhos, circunsta?ncias, momentos. Os dois pontos nos mostra que, do sertão, nos será apresentado apenas isso. Porque o sertão é viver, do sertão só se conhece umas poucas coisas.
A narrativa vai cheia de encantamento, tem o peso da mão de um verdadeiro autor, que não se inclinou a convenções ou facilidades, que explorou as potencialidades da língua e do verso. É um texto poético, é um texto que pulsa a cada página, é um texto difícil. O estilo caracteri?stico da narrativa roseana assusta um pouco o viajante destreinado. Um mono?logo gigantesco (mas onde percebemos a presenc?a e as interfere?ncias de um interlocutor - aquele que vai conhecer o serta?o, leitor), a na?o linearidade da histo?ria, a riqueza exasperante dessa linguagem roseana... Mas é um "teste", um desafio, uma linha que espera para ser atravessada. Confie: a coragem recompensa fartamente os corações desejosos por esse encontro? o encontro com uma das maiores maravilhas da literatura nacional.
Acompanhamos o Riobaldo (nosso contador), sua infa?ncia, como entrou na jagunc?agem, seus amores, suas du?vidas, sua travessia. Ele é o personagem principal.
Estudos relacionam o texto a romance de formac?a?o, histo?rias de cavalaria, narrativas fa?usticas. Sim, há tudo isso. Há mistério, guerras, disputas por poder, religião, história. Temos, aqui, um rico material sobre as estruturas de poder existentes nos serto?es do Brasil (fisicamente falando, o serta?o, no livro, pega Bahia, Goia?s e Minas), a importa?ncia econo?mica e social do Gado, aspectos cri?ticos sobre a figura feminina dentro desse contexto (o sofrimento da mulher), a religia?o (a fe? e o medo) como poder dentro da sociedade.
Nosso amor, por outro lado, descamba junto com o de Riobaldo por Diadorim. Como pode tanta água nessa terra seca? Encoste o ouvido à terra: não dá para esconder o barulho.
O livro inteiro é um coração pulsando. No a?mago da vida, há o amor. Acerca da tema?tica amorosa, temos fartas construc?o?es filoso?ficas, sobre o duplo, mito andro?geno, crianc?a primordial (um bom autor a consultar é o Benedito Nunes), mas nada disso importa verdadeiramente. Não há como sair ileso, seu coração bate junto com Riobaldo, desespera junto com Diadorim, sofre todos os conflitos, entrega-se ao ciúme, à dor, à coragem e força? muita força.
Contudo, o que mais ganha proemine?ncia, nas ana?lises sobre o livro, e? a questa?o fa?ustica. Esse e?, de fato, um leitmotiv dentro da narrativa. E, então, é possível dar a alma ao demônio? Carece de Ritual? Há percursos a atravessar? Ha? muitos elementos fa?usticos no texto (questionamentos sobre a alma, a natureza humana, os contra?rios dentro de no?s), apesar de o evento central permanecer em suspenso (aqui as interpretac?o?es divergem bastante). Mas é realmente fascinante esse trabalho que o Rosa construiu.