Meirinha 29/01/2013
Nonada!
Nonada, mas infelizmente, uma gama de pessoas diz não conseguir ler Rosa. Já ouvi gente dizer que é chato, que a linguagem usada torna seus livros muito difíceis, e por aí vai. Fico triste com isso, pois essas pessoas não sabem o que estão perdendo.
A verdadeira literatura é aquela que inova, que faz o que ninguém fez antes. Rosa fez isso. Em vários aspectos. Guimarães foi grande em cada conto que nos deixou, e segundo Antonio Candido, “Grande Sertão: Veredas” é a obra mais importante da literatura brasileira.
João Guimarães Rosa disse uma vez que “Grande Sertão: Veredas” , publicado em maio de 1956, ia dar muito trabalho aos críticos. Ele acertou. Ainda hoje, cinqüenta anos após sua publicação, há inúmeras interpretações para o livro. Mas aí é que está. Livros assim são poucos, e são eles que constituem a verdadeira literatura.
Dante, Shakespeare e tantos outros escritores já cantaram o amor, e Rosa conseguiu cantá-lo de forma que nenhum outro jamais fizera: “Lhe ensino: porque eu tinha negado, renegado Diadorim, e por isso mesmo logo depois era de Diadorim que eu mais gostava. A espécie do que senti. O sol entrado.”
Riobaldo conta sua história, expõe seus enigmas a um interlocutor que não responde. Além da guerra entre os jagunços , a grande tensão para o narrador é a sua relação com Diadorim: “O Reinaldo – que era Diadorim: sabendo deste o senhor sabe minha vida.”
Uma narrativa ambígua. Ora é, ora não é. E assim desde o nome de Diadorim, que nada mais é do que a junção de diabo e querubim, bem e mal, Deus e o diabo. A salvação e a perdição de Riobaldo: “Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também - mas Diadorim é a minha neblina.”
Minha edição de Grande Sertão: Veredas tem muitas páginas marcadas, e cada vez que volto nelas, faço uma leitura diferente, por que? Porque o sertão “é dentro da gente”. Porque às vezes é preciso que fechemos os olhos para ver o mundo. Não é por acaso que Rosa encerra o livro com um sinal que simboliza o infinito.
Soube dosar na medida certa o tom, a forma ficcional, a linguagem ousada, o recorte mítico e histórico do sertão, que mesclou a um enredo marcado pelo suspense. A técnica narrativa do livro é um caso à parte. Está repleto de vai-e-vem, de retomadas. O próprio narrador, Riobaldo, adverte lá pela altura da página 99 que “Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância.” E é justamente daí em diante que a narrativa de Ribaldo segue uma linha temporal continua. Um leitor roseano de primeira viagem pode se sentir estranhamente perdido às ações narradas na primeira centena de páginas. A sugestão que deixo é a seguinte: Leia a obra como Riobaldo narrou, e depois faça um retorno as 100 primeiras páginas. Tenho certeza que a leitura será outra.
Guimarães Rosa foi inventivo como nenhum outro escritor brasileiro. Criou o que só alguém como ele poderia ter criado um livro como “Grande Sertão: Veredas”, que é a junção de histórias que ouviu e vivenciou em sua vida. Rosa morreu em 19 de novembro de 1967, apenas três dias depois de ganhar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Nas palavras do próprio autor, ele não morreu, apenas ficou encantado.