z..... 02/09/2016
Eugênio e Margarida tem uma história triste, que comove e faz pensar em valores que são importantes, referentes à liberdade da escolha no que entendemos como felicidade.
A publicação é do século XIX e representou um manifesto contra as imposições da sociedade patriarcal e da igreja em seu tradicionalismo forçado. É um romance com poucas personagens, sem ramificações significativas em historias secundárias, mantendo-se sempre no drama amoroso que envolve os jovens protagonistas. A leitura, apesar da linguagem arcaica em determinados momentos (como no uso da palavra tafularia, que não conhecia), é envolvente, instigante, emotiva e sugestiva de reflexão. Foi a terceira vez que li e esses aspectos se fizeram presentes como da primeira vez em minha saudosa e longínqua 8ª série, quando fui impactado com o livro e, desde aquela época, tornou-se um de meus preferidos.
Vemos principalmente o conflito de Eugênio em sua imposta vocação clerical e o que se nota em Margarida é uma determinação bonita em seu idealismo. Vale uma citação a coadjuvantes importantes na disposição dos jovens: o padre-diretor do seminário e a senhora Umbelina, mãe de Margarida. Paralelos ilustrativos do conflito que se apresenta.
O padre-diretor mostra o conservadorismo e imposição da igreja, mostrando-se insensato e alheio à importância de reconhecimento vocacional. Para esse posicionamento o autor teceu considerações interessantes e críticas no Capítulo X: "Se o padre-diretor ao chamar o estudante ao seu quarto lhe tivesse dito simplesmente: - menino, tens no coração uma afeição mundana, que não pode compadecer-se com o estado a que te destinas, e que é preciso que combatas. Mas se acaso não puderes banir do teu coração esse afeto, que pode ser puro e legítimo, podes continuar a estudar, porém não para o estado eclesiástico - se tivesse procedido assim, o padre teria talvez conseguido melhor seu intento." Os pais de Eugênio tem também visão conservadora e esses tradicionalismos (patriarcal e clerical) se fortalecem mutuamente..
Em relação à Umbelina, uma conferida em sua visão de vida, caracterizada no capítulo XVI, revela uma pessoa, em sua simplicidade, que valoriza a escolha por perceber a correlação com a felicidade. As disposições de um e outro são o que o autor quer enfatizar e tornar notório a seus leitores, despertando criticidade. Afinal, é no conflito dessas visões em que se inserem Eugênio e Margarida, determinando seu futuro, realização, felicidade ou infelicidade.
O autor conta esse drama com um paralelo também à história do Éden, com um Adão e Eva sendo expulsos de seu jardim de felicidades (a fazenda) em face a uma proibição demonizada sobre o amor. Tem até um episódio esdrúxulo envolvendo a menina Margarida e uma serpente, para correlacioná-la em um misticismo popular com a tentadora Eva. E para por aqui as comparações. A história do Éden termina em conciliação e felicidade e esta aqui em grandes temores da humanidade: morte e loucura.
Curiosidade intrigante. O livro traz uma observação curiosa do autor em relação à obra de Aleijadinho. Apesar de ser uma obra de ficção, o parecer é de caráter histórico, pois retrata a opinião de Bernardo Guimarães, surpreendendo negativamente. As impressões tem caráter pejorativo e até preconceituoso aos conceitos modernos do escultor. Veja o texto e tire suas conclusões no capítulo IV. Uma parte do texto para ilustrar:
"Parece que essas estátuas são cópias toscas e incorretas de belos modelos da arte, que o escultor tinha diante dos olhos ou impressos na imaginação. Mesmo assim quanto não são superiores às quatro disformes e gigantescas caricaturas de pedra, que ornam... quero dizer, que desfiguram os quatro ângulos da cadeia de Ouro Preto!"
Oh, Bernardo! Que foi isso para um escritor de propostas inovadoras, como a contestação a velhos conceitos patriarcais e religiosos...
Uma história apaixonada e apaixonante. Entenda-se a que...