vicabez 27/05/2021
Uma exposição nua da condição humana
A Náusea? foi o primeiro romance escrito por Jean-Paul Sarte e, em sua opinião, sua obra-prima. Ele segue uma estrutura interessante, que foge ao padrão dos tratados filosóficos tradicionais, preferindo um estilo que se assemelha um pouco a um suspense policial (faltando, é claro, os policiais)
Ele conta uma história propositalmente desinteressante: a vida de Antoine Roquentin, um historiador que após viajar pelo mundo, decide se fixar em uma cidadezinha francesa sem-graça chamada Bouville (homófono de Boue ville, ?cidade da lama?) a fim de desenvolver sua pesquisa sobre o marquês de Rollenbon, um diplomata francês do século XVIII.
Quase totalmente privado de contatos sociais, Roquentin dedica sua vida a estudar Rollenbon, um trabalho que lhe parece mais fútil a cada dia. Afinal, assim como o personagem principal, o marquês não tem quase nada de especial em sua história, além de um possível envolvimento indireto no assassinato de um tsar russo.
Nesse contexto, se desenvolve em Roquentin aquilo que ele chama de Náusea, algo semelhante à depressão, quase como um nojo de existir. Desesperado, ele se volta à escrita de um diário (que é o livro que lemos) como forma de tentar compreender o que está acontecendo com ele.
Comecei a lê-lo agora, na pandemia, por perceber o paralelo inegável que há entre a situação do personagem principal e a minha própria: isolado do resto da sociedade e forçado a conviver com os próprios pensamentos e sobretudo, a existir. Esperava, de certa forma, encontrar algum tipo de auxílio neste livro, algum conselho, talvez até alguma lição de moral. Mas descobri rapidamente que a intenção de Sartre com A Náusea é a contrária: ele não quer responder perguntas, ele quer gerar ainda mais dúvidas. Porque esta é a síntese do existencialismo: todos nós existimos e da existência não há escape. Somos livres para pensar e agir, mas condenados a arcar com as consequências disso. Essa é a condição humana, e a ela todos nós estamos sujeitos: eu, você, Roquentin e Rollenbon. Sartre não busca mascarar essa realidade. Pelo contrário, ele a expõe, nua e fria. E essa é a maior beleza deste livro.
Apesar de não ser uma leitura simples (em alguns pontos, ?nauseante?, talvez), recomendo para todos que tenham algum interesse no existencialismo. É realmente uma obra de arte.