GH 22/02/2017
A Náusea
Publicado em 1938, A náusea é o primeiro romance filosófico de Sartre. Aqui se origina de maneira ficcional todo desenvolvimento filosófico que viria a ser tratado de maneira completa em ''O Ser e o Nada''. Através de um diário, o personagem principal Antoine Roquentin, um burguês solitário, narra e vive todo acontecimentos na cidade francesa; acontecimentos estes banais, não apenas sua vivência como todos ao seu redor, eis que o personagem se vê confrontado com a própria existência o que o causa Náusea e mais que isso, enfim se torna propriamente dito um sentimento de Náusea ao se deparar com o absurdo de toda condição humana por ele captada.
A Náusea constitui basicamente na observação e percepção de um indivíduo sobre outro que está convencido que é aquilo que disseram que ele é: o indivíduo começa a agir de tal maneira para justificar teatralmente a identidade que a sociedade lhe conferiu. Sartre nesta obra dá vários exemplos, como por exemplo, o garçom que, sabendo de sua função e identidade perante a própria profissão, exagera de tal maneira que o torna ridículo; o jeito de falar, de andar, de servir e retirar os pratos, de servir o café, etc. Clóvis de Barros em uma de suas aulas de filosofia acrescentaria que ele é um ''mau ator de garçom fora do teatro''.
Mas mais que essas minuciosas observações sobre a banalidade da condição humana, Antoine quase que diariamente reflete com a própria existência, muitas vezes abastecida pelo ócio e por já se ter uma posição confortável na vida, não precisar de dinheiro, ter um trabalho diário, com exceção seus escritos.
*Veja bem, em momento algum o autor e o escritor desta resenha quis dizer que o Existencialismo nasce a partir do ócio ou da burguesia, é apenas uma apresentação de fatos de acordo com a ficção.
''Sou repelido para o presente, abandonado nele. Tento em vão ir ter com o passado: não posso fugir de mim mesmo. '' (Pág. 14)
O relato em dado momento nos parece ser um tanto pessimista, o que é errôneo dizer já que tratamos de existencialismo, onde o princípio filosófico nascido no início do século XIX por Kierkegaard deixa bem claro que o indivíduo é o único responsável em dar significado à sua vida e em vivê-la de maneira sincera e apaixonada, apesar das angustias, absurdos, tédio, alienação e a ansiedade, por exemplo. E é exatamente nesses cenários que Sartre nos apresenta seu protagonista.
''Estou sozinho, a maioria das pessoas voltaram para seus lares; estão lendo o jornal da tarde e ouvindo rádio. O domingo que termina deixou-lhes um gosto de cinzas e seu pensamento se volta para a segunda-feira. Mas para mim não existem segunda-feira nem domingo: existem dias que se atropelam desordenadamente e, além disso, lampejos como esse. '' (Pág. 66)
Portanto temos aqui um personagem protagonista que não é o dos mais interessantes, revolucionário, forte, inteligente... não. Aqui Sartre nos trouxe um ser que não é diferente em quase nada sobre a banalidade em que o próprio observa e abomina, talvez essa seja uma das grandes graças dessa obra espetacular deste grande filósofo.
''A coisa, que estava à espera, alertou-se, precipitou-se sobre mim, penetra em mim, estou pleno dela. – Não é nada: a Coisa sou eu. A existência, liberada, desprendida, reflui sobre mim. Existo. '' (Pág. 114)