Iuri 23/08/2021
Crianças perturbadas
Ian McEwan, um dos maiores autores britânicos da atualidade, é um escritor que navega perigosamente nos limites do doentio do ser humano. Ele mesmo diz : "Quando comecei a escrever, aos 20 anos, queria chocar, escapar da cinzenta e provinciana literatura inglesa e ir atrás de William Burroughs, Philip Roth, John Updike e Henry Miller, que pareciam estar em busca de algo mais ambicioso, mais arriscado."
Acabei de ler agora “Jardim de Cimento” um livro pequeno (132 páginas) que confirma a fama do autor. A obra, quase gótica, conta a história de quatro irmãos órfãos (dois casais) que perdem o pai e depois a mãe (cujo corpo encerram no porão). Ao se verem sozinhas, as crianças entram em viagens existenciais individualizadas onde a inocência e a perversidade se confundem. Entre eles estabelece-se um jogo complexo, um arremedo de arranjo de necessidade da continuidade da vida que acontece num cenário de absoluta liberdade de ação onde não existem figuras de autoridade. Daí, sem ninguém para guiá-los, os irmãos se desagregam e se integram, se desenlaçam e se apóiam numa mistura de atração e repulsão. É estranho, triste e sedutor acompanhar estas almas infantis abarcadas pela escuridão, para elas incompreensível. Presos à imaturidade os comportamentos se deformam e os irmãos enredam-se cada vez mais num caminho fadado ao abismo.
No fim de tudo, masturbação, mentiras, apatia, loucura,inocência, incesto, pecado e redenção são acrescentados ao caldeirão onde as crianças queimam e onde encontram sua derrota....Ou quem sabe sua vitória?