Franco 18/08/2019
Belo e perturbador
A primeira coisa a destacar é a escrita, que é fluida, agradável e mantém um bom ritmo - um daqueles livros que dá para terminar em duas ou três pegadas sem se cansar.
A segunda, foi o uso da narrativa em primeira pessoa. Não fosse esse recurso, provavelmente não aceitaríamos tão bem o protagonista, esse sujeitozinho perturbado e bastante questionável; ao acompanharmos sua 'visão', simpatizamos com a confusão que vive e nos deixamos levar pelo seu entendimento do mundo (não que você concorde ou diga 'eu faria o mesmo', mas você possivelmente sentirá um tanto de pena dele).
E por fim, a história. De toda ela transborda uma sensualidade algo suja, doentia, mas ainda assim pueril e tocante (os desconcertos de Jack diante da irmã são quase meigos). Além da sensualidade, há o forte traço do absurdo (que nos dá a sensação de se tratar de uma alegoria), e a brincadeira com um clima de terror e suspense (que aumenta quanto mais você se deixa levar pelas competentes descrições da casa e do caos que ela vira).
E tudo nessa história se encaixa. Surpreende a composição dos fatos menores ou secundários, que só evocam episódios, comparações e metáforas perfeitamente adequadas ao 'clima' da história, em nenhum momento perdendo aquele tom de sensualidade, absurdo, terror e suspense.
Quanto à moral da história, bem, confesso que me parece difícil apontar. Talvez pudesse ser sobre a falta de limites, sobre a importância da família, sobre os demônios que carregamos aqui dentro e sobre aqueles com os quais convivemos na mesa de jantar. Ou talvez seja simplesmente sobre a delicadeza daquilo que julgamos tão forte e sólido (tanto que tudo o que acontece não surge dentro do absurdo nem nasce da situação limite a que são expostos os personagens: tudo já estava lá num processo de maturação).
É, enfim, um livro duplamente fascinante: pela escrita coesa e coerente, e pela trama fantástica e perturbadora.