Mapplehead 18/12/2022
Se a vir, cuide da mamãe
Escrito pela aclamada escritora sul-coreana Kyung Sook Shin e publicado originalmente em 2008, Por Favor, cuide da Mamãe foi traduzido para mais de vinte e três línguas, sendo considerado o maior trabalho de sua carreira, que conta com mais de doze livros e cinco contos.
“Faz uma semana que mamãe sumiu”. É assim que o livro começa. Abrupto, inesperado, repentino. O leitor é pego de supetão logo no início com uma narrativa que não deixa dúvidas sobre o que está acontecendo. Park So-nyo, uma mulher de 69 anos, se perde e desaparece no grande metrô de Seul. Seus cinco filhos, todos adultos bem sucedidos, e seu marido, se juntam para procurar a mulher. É uma premissa básica, não muito complexa e, por isso, pode deixar alguns leitores achando que a própria trama não sairá também do “raso”. Ledo engano.
O leitor perceberá muito rapidamente que o livro tem uma estrutura de narração muito complexa, apesar da ideia simples trazida pela autora. Isso porque, cada um dos cinco capítulos, é narrado por alguém diferente (a filha mais velha no primeiro, o filho mais velho no segundo, o marido no terceiro, a mãe no quarto e a filha mais velha novamente no último, o epílogo) e, além disso, a história intercala entre passado e presente sem uma distinção clara. De um parágrafo para o outro, você pode ser levado pela divagação de um personagem para outro momento no tempo. Não obstante, ainda há alternação dos pontos de vista. Isso porque esse livro é narrado tanto em segunda quanto terceira pessoa e deixa o leitor atordoado a princípio.
Apesar disso, depois que se acostuma com essa dinâmica maluca, a história fica bem mais fácil de compreender, pois não é uma leitura rebuscada, mas sim muito fluída, que não te dá tempo para se entediar, visto que logo já muda o narrador, o ponto de vista e o tempo do livro.
O ponto de vista em segunda pessoa ajuda, também, a criar um sentimento de culpa no leitor. A todo momento é dito “você fez isso” e “você fez aquilo”, fazendo a pessoa que lê se sentir quase que na obrigação de fazer algo, quando ele, na verdade, é impotente, apenas um mero espectador, como em um trecho do terceiro capítulo onde o marido diz: “Depois que a mãe de seus filhos sumiu, você percebeu que quem tinha sumido era sua esposa”.
Essa frase retrata bem como todos, mesmo o marido, não viam Park So-nyo como nada além da mãe, a figura materna que os criou. Mas quem ela é? Como é sua personalidade, sua vida, seus temores e gostos? Por Favor, cuide da Mamãe levanta esses tópicos na visão de cada um dos familiares dessa mulher, que só percebem que não a conhecem verdadeiramente, quando ela desaparece.
Repare também como não uso, em nenhum momento, o nome de nenhum dos outros personagens sem ser o da própria protagonista. É porque desde o começo, essa não é uma informação realmente importante para a história, e demora páginas e mais páginas para sabermos o nome de todos, e mesmo assim, não é incomum não nos lembrarmos ao final do livro. Todos são mais comumente citados a partir de sua posição e função na família. Há o marido (papai), os filhos (irmãos) e mamãe — que muitas vezes, nem mesmo é vista como mulher, por isso, é apenas citada como mãe.
A autora mesmo diz que é necessário todos os pontos de vista para entendermos completamente quem é a mulher. E veja se não há uma filosofia nisso: você não é apenas o que você próprio pensa, mas também é o que os outros veem. Assim, Park é construída com várias camadas de experiências que a moldam até o presente do livro. Tudo isso é trazido nas reflexões sobre o passado, e enquanto nós como leitores vamos conhecendo-a, os personagens, também. É um grande livro de análise de personagens, não se limitando apenas a protagonista, como também aos outros membros da família.
É a história, acima de tudo, de Park So-nyo — a mulher, não a mãe — que se sacrifica de bom grado pelos outros em silêncio e que não pede nada em troca. Que perdoa as traições do marido pelo bem da união da família, que não se permite sofrer o luto por alguém que perdeu. É sobre a Park So-nyo que visitava um orfanato há mais de uma década e ninguém sabia, que, apesar de não saber ler, pedia aos outros que lhe narrassem os livros escritos pela sua filha. Uma mulher que tinha sonhos, mágoas e opiniões, mas que nunca pôde ser ouvida.
Conforme mais informações do passado vão sendo apresentadas para nós, mais claro é a urgência de encontrar essa mulher logo. A cada capítulo, mais sabemos sobre seu histórico de saúde debilitado, — que nem mesmo os filhos ou o marido tinham conhecimento — mais tempo passa desde que ela desapareceu e mais informações angustiantes são descobertas a partir da procura dela.
Por fim, a obra tem um final que parece quase aberto, “livre para interpretações”, mas que, de fato, tem apenas um fim plausível, insinuada no último capítulo narrado pela mãe. Ainda assim, o otimismo ingênuo dos filhos da mulher faz com que não queiramos ser lógicos, mas sim acreditar puramente que ela está bem. Então, se você vir uma mulher baixa, cabelos grisalhos com maçãs do rosto salientes, blusa azul-celeste, casaco branco e saia bege pregada, por favor, cuide da mamãe.