Manu 02/07/2022
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Foram seis meses dedicados à leitura do livro com pessoas espetaculares e eu poderia vir aqui tentar resenhar com o máximo de detalhes possível o que acontece nas mais de 900 páginas. Mas não farei isso. Afinal, só quem teve e terá a experiência de fazer esta leitura pode sentir como a história de Kehinde toca no fundo da sua alma. É impossível não se sentir mobilizada, contagiada, revoltada e impactada com a história de uma africana, nascida em Savalu em um mil oitocentos e dez, que foi seqüestrada em África, atravessou
o Atlântico e veio parar na Ilha dos Frades ? BA e seu principal temor era virar comida de ?carneiro?. Quando a travessia foi feita no navio negreiro, ela não tinha nem dez anos de idade; tinha uma irmã gêmea, a Taiwo, por isso, era uma ibêji; um irmão, o Kokumo; a mãe, Dúróoríìke e a avó, Dúrójaiyé. Infelizmente, toda a sua família foi dizimada em circunstâncias não muito legais e em momentos diferentes.
Inclusive, a partir do momento que você percebe que uma criança não tem mais com quem contar e é vendida como escrava, você não quer mais seguir na leitura. Simplesmente, você não ver condições de continuar lendo aquilo e disparando vários gatilhos na sua mente, ainda que não tenha vivido aquilo especificamente. Isso ocorreu comigo, e por esta razão, digo que a leitura coletiva foi crucial para continuar lendo e compartilhando os sentimentos gerados a cada virada de página.
Kehinde, quando vendida, de imediato mostrou para que veio: não quis se submeter à religião dos brancos, se recusando a se batizar e trocar o nome. Afinal, ela tinha crença nos seus voduns e orixás. No entanto, sem abdicar o uso do seu nome africano, ela ficou conhecida também como Luísa Gama. Tal sobrenome, deriva do seu ?dono? e algoz, José Carlos de Almeida Carvalho Gama.
Muitas coisas aconteceram à Kehinde enquanto esteve na Casa Grande, uma delas, foi a violência sexual praticada pelo seu "dono" que acreditava ter direito sobre o corpo das escravizadas. A sua mulher, Ana Felipe, por vingança, também violentava fisicamente aquelas que foram estupradas pelo seu marido.
Kehinde, infelizmente, teve um filho, fruto do abuso sofrido. E a Sinhá, se demonstrava afetuosa com o filho de Kehinde. O que não se sabia, eram os interesses por trás deste afeto.
Já em Salvador, Kehinde se viu afastada de Banjokô, se tornou escrava de ganho e depois de tanta luta, comprou sua liberdade.
Kehine era uma mulher determinada e visionária. Apesar de todas as adversidades, ela não esmorecia. E também, na andava só, esteve rodeada de amigas e amigos que lhe ajudaram a passar pelos percalços. Além disso, foi uma mulher que amou. Teve um filho com um fidalgo português que infelizmente, a traiu de diversas formas, mas a pior, foi vender o filho como escravo (sendo ele livre). Nesta ocasião, começa a saga dela em busca do paradeiro do filho. Por mais que os caminhos fossem difíceis, ela não desistia. Foi para o Rio de Janeiro, São Paulo atrás de resposta para o paradeiro dele, não encontrou.
Kehinde retorna à Salvador e toma uma decisão difícil: retornar para a Àfrica.
No caminho, ela conhece um novo companheiro e desta relação, gerou dois filhos gêmeos. A estadia de Kehinde em África, após ela reencontrar amigas/os, mostra uma nova face da protagonista, que se revela ainda mais empreendedora e visionária, criando o Casas da Bahia, negócio que deu bons frutos. Além da filha/o, ela também teve alguns netos/as, o que muito lhe alegrava. Mas ela ainda não estava satisfeita, quase no fim da vida, decidiu retornar para o Brasil. A expectativa para o reencontro com o filho procurado, é muito grande, mas a confirmação se isso ocorreu ou não, você só descobre ao ler o livro.
O que eu posso dizer é que apesar das dores que o livro nos provoca, ele também nos traz Kehinde como uma referência de mulher que não esmoreceu. Lutou de diversas formas, principalmente para emancipar o seu povo. Encabeçou algumas rebeliões e foi uma mulher empreendedora. Vendeu cookies, charuto, tecidos, teve padaria, casa de construção e tudo que fosse viável para a sua manutenção. Quando em África, alguns posicionamentos dela pode lhe causar estranheza, perante tudo aquilo que você vinha lendo, mas no fundo, o método de vida adotado foi para a sua sobrevivência e dos seus. Uma mulher religiosa: filha de Oxum que muito lhe deu forças para continuar.